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Mobilidade Humana e Coronavírus: Um balanço parcial da série
No dia 27 de março de 2020, publicamos neste mesmo espaço o artigo "Mobilidade Humana e Coronavírus: Abrindo um diálogo". Apenas dez dias depois do fechamento do Museu da Imigração para visitação, o texto inaugurou o projeto diretamente voltado às reflexões sobre a pandemia atual. Seguindo, nós também, a consigna do "fique em casa", propusemos tentar cumprir, ainda que remotamente, com uma das funções essenciais de um museu: abrir a escuta, garantir espaços seguros e propor diálogos.
Até a presente data, a série "Mobilidade Humana e Coronavírus" contou com 32 publicações, sendo 10 entrevistas com migrantes e 22 materiais de pesquisadoras e pesquisadores. Com a reabertura gradual da instituição ao público, identificamos na realidade atual um momento diferente da pandemia. O artigo de hoje tem, então, a proposta de fazer um balanço, mesmo que parcial, sobre o que foi a série. Para seguirmos em frente, o que pudemos aprender até aqui?
Entre abril e final de agosto, todas as publicações tiveram como editores exclusivamente nós, a equipe do MI. Convidamos, seguindo nossos primeiros interesses e conhecimentos, tanto pesquisadoras e pesquisadores quanto migrantes que, gentilmente, aceitaram ceder seu tempo e compartilhar conhecimento sobre diversos assuntos. Na medida em que nós mesmos encontrávamos novas informações sobre a emergência sanitária, íamos modificando também nosso leque temático.
Com o passar dos meses, fomos conhecendo inúmeras iniciativas outras, acadêmicas ou não, de reflexão sobre a situação pandêmica, colocando sobre a mesa a possibilidade de uma modificação do nosso papel nessa conversa mais geral. Se inicialmente medidas de contenção da COVID-19, como o fechamento de aeroportos e fronteiras, nos moviam num sentido de urgência para entender a realidade que batia em nossas portas, a convivência inesperadamente prolongada com o vírus e as próprias contribuições trazidas na série nos levaram mais para um acompanhamento dos processos e desdobramentos da pandemia, na sua expressão cada vez mais cruel e cotidiana.
Nessa chave, começavam já a surgir publicações com dados empíricos gerados no calor do momento, abrindo espaço para análises que fossem para além do conhecimento acumulado antes da pandemia. A partir disso, passamos a considerar uma nova forma de atuação, trazendo essas produções para a série, reverberando-as. Surgiu assim a ocupação "Migrações Internacionais e a pandemia de COVID-19", uma programação de publicações e lives, geradas em parceria com o Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (NEPO – IFCH/UNICAMP), que meses antes havia publicado um livro sobre o tema. Dessa nova parceria, foi possível ampliar ainda mais nossos horizontes, assim como ver as sobreposições e variações nas abordagens.
Em uma tentativa sumária, seria possível elencar os seguintes itens como temas gerais tratados até aqui: mecanismos psíquicos da xenofobia, vida na fronteira e gênero, documentação, fechamento de fronteiras, migração por estudos, atuação política, fronteiras Latino-americanas, a diversidade no continente africano, saúde pública e migração, associativismo, profissionais da saúde, imigração para Europa, Buen Vivir, SUS e bioética, trabalho, hiper-exploração, imigrantes negros, solidão na imigração, temporariedade e permanência, migrações internas, populações quilombolas, idioma como elemento de inserção, direito a cidade, migração nos EUA, direito do trabalho, situação na Palestina, feminismo, saúde mental, gênero e sistema prisional, saúde global, assistência social, acolhida, atendimento, incidência política, racismo, xenofobia, geopolítica, zonas de conflito, direito a migrar, direito internacional, refúgio, centros de acolhida, interiorização, padrão de disseminação da COVID-19 na Macrometrópole Paulista, defensoria pública, auxílio emergencial, deportação sumária, periferia, ações de apoio a migrantes, ação em rede, meio ambiente, agropecuária e estudos epidemiológicos, migração e cárcere.
Sobre o que o novo Coronavírus representou no campo das mobilidades, o principal ponto de aprendizado foi de que, ao invés de um rompimento brusco com a realidade anterior, a pandemia operou nas mobilidades por processos bem mais longos e graduais, de certa forma não trazendo elementos totalmente novos, senão amplificando aqueles que já estavam presentes. Para exemplificar, podemos mencionar as diversas formas de desigualdade, seja regional, de gênero ou raciais, ou, até mesmo, o aprofundamento das dificuldades de acesso a certos serviços, como regularização, saúde ou trabalho digno.
Se como mencionado no início, museus servem para escutar e propor diálogos, não poderíamos nos contentar com uma conversa feita apenas entre aqueles e aquelas que tem a leitura como hábito. Foi assim que surgiu um projeto paralelo, o programa de podcast "Mobilidade Humana e Coronavírus", que neste momento tem o quinto episódio em processo de edição. Sob o desafio de aproximar as discussões trazidas por pesquisadores e pesquisadoras, e conhecimentos dos migrantes para um público cada vez mais amplo, nos colocamos a tarefa de organizar uma apresentação mensal das publicações e uma discussão entre nós das temáticas envolvidas em cada contribuição.
Hoje, 06 de novembro, teremos a alegria de inaugurar mais um momento desta série. Até o fim do ano, receberemos a ocupação "Conexão Migrante". A "Conexão" é uma revista com presença de longa data entre a população migrante da cidade de São Paulo, que a partir da parceria com o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) trará a esta série contribuições cruciais da cidadania, do ativismo e das questões mais candentes da contemporaneidade.
Podemos afirmar que as mobilidades – geográficas e sociais – já não são as mesmas daquelas encontradas em abril, com certeza. Além disso, ficou cada vez mais evidente a importância das mobilidades para compreender o impacto dessa pandemia em nossas sociedades. Caberá a nós seguir nesse primeiro passo dado e continuar escutando, reverberando e rememorando as transformações e perdas pelas quais estamos passando.
Foto da chamada: Instalação "Respiro" do Museu da Imigração.