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Da amoreira ao fio: história e patrimônio da seda em São Paulo – Primeira parte
Eloisa Martins Galvão – Analista de Conservação
Desde 2024, o Museu da Imigração vem desenvolvendo atividades focais relacionadas ao acervo têxtil da instituição [1]. Neste ano, ampliou a temática com a inauguração da exposição temporária “Seda que une montanhas e mares – da China ao Brasil” [2] e da Vitrine do Acervo “Qipao no Brasil: identidades chinesas tecidas em mobilidade”, ambas em cartaz desde outubro de 2025.
Com o objetivo de “explorar outras fontes que permitam compreender o sistema no qual o objeto têxtil está inserido, com pessoas, instituições, conhecimentos e modos de fazer” [3], este texto aborda a perspectiva histórica sobre a produção de seda em São Paulo durante a primeira metade do século XX, introduzindo as dinâmicas que incentivaram a cultura sericícola no Brasil e sua relação com os processos migratórios no mesmo período.
A sericicultura é uma atividade milenar, originada na China por volta de 2.640 a.C., quando se tem os primeiros registros de domesticação do bicho-da-seda e utilização dos fios para confecção de trajes e indumentárias [4]. Atualmente, esta agroindustria está presente em cerca de 60 países, sendo o Brasil o único produtor de fio de seda em escala comercial no Ocidente e sétimo produtor mundial de seda crua [5].
Em 2024, a produção de casulos de bicho-da-seda atingiu 1.580.000 quilos, sendo o estado do Paraná responsável por cerca de 89% do valor [6]. Historicamente, o ápice da cultura serícicola no Brasil é considerado entre 1935 e 1946, com a produção de mais de 6 milhões de casulos apenas pelo estado de São Paulo [7].
As dinâmicas da cultura serícicola entre os séculos XIX e XX
A introdução do plantio de mudas de amoreira no Brasil, ocorreu ainda no período colonial. No entanto, a atividade produtiva sericícola teve início apenas em 1848, com a fundação da Companhia Seropédica Fluminense, em Itaguaí, no Rio de Janeiro. Posteriormente, o desenvolvimento dessa produção em território nacional foi impulsionado pela criação das Estações Sericícolas a partir da lei n.2544, de 4 de janeiro de 1912, com a finalidade de [8]:
estudar as condições de criação e as doenças do bicho-da-seda; reproduzir, selecionar, preparar e distribuir sementes e mudas aos agricultores; estudar o aproveitamento industrial dos produtos da seda; fomentar a fundação de estabelecimentos industriais sericícolas; difundir a instrução prática da fiação e tecelagem da seda; atender a consultas sobre questões relacionadas às suas competências, entre outras atribuições.

Em São Paulo, as primeiras estações serícicolas, localizadas em Limeira e Pindamonhangaba foram criadas apenas em 1941, junto com o Serviço de Sericicultura pelo Decreto n.12.359, de 1º de dezembro de 1941. Anterior a esse período, o órgão responsável pelo fomento da produção no Estado era a S/A Indústrias de Seda Nacional, que recebia subsídios do governo federal e estadual para a produção de pés de amoreiras e ovos de bicho-da-seda, ofertando assistência técnica e na formação de mão de obra especializada na criação de lagartas.
Paralelamente, a sericicultura era empregada como uma cultura alternativa e complementar à safra do café. Com a deflagração da II Guerra (1939-1945) e o aumento da demanda mundial por seda, São Paulo passa a concentrar 90% da produção. Para tanto, Porto [9] afirma que três fatores históricos contribuíram para essa ascensão:
1) a grande disponibilidade de mão de obra no meio rural, principalmente de famílias japonesas e italianas;
2) a formação de pequenas propriedades rurais no interior do estado por meio da ação de companhias de colonização que vendiam as propriedades a pequenos agricultores;
3) a expansão da estrada de ferro, inicialmente para atender o escoamento da produção de café, que possibilitou paralelamente, “a difusão da sericicultura, como fonte de renda para os ferroviários, basicamente pertencentes à colônia italiana” [10].
Por fim, o quarto fator foi a campanha serícicola fomentada pelo interventor Fernando Costa entre 1941 e 1945 [11]:
(...) Ao assumir o governo de S.Paulo, o sr. Fernando Costa volveu novamente suas vistas para o problema, como, aliás, o faz para todos os assuntos. E resolveu iniciar uma campanha intensa e continuada em favor da creação do bicho da seda. Em agosto de 1941, ou sejam, dois meses depois de sua posse, dirigia uma circular aos prefeitos de todo o Estado, sugerindo-lhes a criação de amoreiras municipais com a área mínima de 10 alqueires de terra. Esses amoreiras públicos se destinariam ao fornecimento de folhas de amoreiras às famílias pobres que, não possuindo terras, desejassem dedicar-se à criação. (...) Iniciava-se, simultaneamente, por todo o território do Estado uma inteligente campanha de propaganda em favor dessa riqueza agrícola, e tais foram seus resultados, que o governo precisou ampliar o Serviço de Sericultura, cuja reforma o tornou autônomo e lhe conferiu recursos para atender aos reclamos da nova situação (...)
Neste contexto, a produção de seda estimulou ainda o crescimento do setor têxtil e contribuiu para a absorção da mão-de-obra urbana, empregando operários nas fiações, durante o processo de substituição do modelo agrário-comercial pelo modelo urbano-industrial, durante o governo de Getúlio Vargas.
Porém, com o fim do conflito em 1945, a sericicultura nacional enfrenta uma crise nacional. A abertura dos portos na Ásia e Europa criam um fluxo de escoamento dos estoques asiáticos acumulados durante o conflito. “No período de 1946 a 1950 houve o fechamento de vários centros de produção de ovos e uma queda vertiginosa na produção de casulos, passando, a seguir, a um crescimento anual discreto e contínuo” [12].
Na segunda parte deste texto - a ser publicado posteriormente, serão aprofundados fatores sociais relacionados à produção serícicola. Além do mapeamento inicial do patrimônio cultural da seda em São Paulo, a partir do levantamento de acervos de diversas instituições, incluindo o Museu da Imigração, além da identificação do patrimônio industrial remanescente relacionado à fiação e tecelagem da seda natural.
Referências bibliográficas
[1] MOREIRA, Evelize Cristina; GALVÃO, Eloisa Martins. Cultura material e o acervo têxtil do Museu da Imigração: uma breve introdução. In: BLOG do Museu da Imigração do Estado de São Paulo. São Paulo, 06 dez. 2024. 2024 (Artigo de blog).
SANTOS. Thiago Haruo. Encontros com o Acervo: Explorando a Indumentária Chinesa no Museu da Imigração. In: BLOG do Museu da Imigração do Estado de São Paulo. São Paulo, 15 ago. 2024. 2024 (Artigo de blog).
[2] A exposição foi realizada em parceria com o Museu Nacional da Seda da China (CNSM), apresentando o percurso histórico e simbólico da seda, desde sua origem às conexões criadas pelas rotas comerciais ao longo dos últimos cinco séculos. Permeando as relações com o Brasil a partir da imigração e da indústria têxtil.
[3] MOREIRA, Evelize Cristina; GALVÃO, Eloisa Martins. Cultura material e o acervo têxtil do Museu da Imigração: uma breve introdução. In: BLOG do Museu da Imigração do Estado de São Paulo. São Paulo, 06 dez. 2024. 2024 (Artigo de blog).
[4] O setor agropecuário e a indústria química são responsáveis pelo fornecimento de diferentes tipos de fibras e/ou filamentos (fios, tecidos, não-tecidos etc.) destinados ao segmento têxtil e outros ramos de atividades. A classificação primária dessas fibras divide-se em dois grupos: naturais e não naturais. Os filamentos naturais, distinguem-se por sua disponibilidade direta na natureza e são agrupadas em três categorias conforme sua origem: vegetal, animal e mineral.
As fibras de origem animal caracterizam-se por sua composição proteica e podem ser obtidas tanto pela tosquia de pelos ou pela secreção de insetos. Como é o caso da seda natural, produzida por insetos para construção de casulos e teias, sendo considerado o maior filamento contínuo entre os fios naturais.
[5] SEAB/DERAL – Secretária da Agricultura e do Abastecimento do Paraná/Departamento de Economia Rural. Prognóstico Agropecuário - Sericicultura. Relatório anual. Curitiba, 2021.
[6] IBGE. Brasil Pesquisa da Pecuária Municipal. 2024. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9107-producao-da-pecuaria-municipal.html. Acesso em: 26 nov. 2025.
[7] PASCHOAL, Adilson Dias. História da Agricultura: cinco Séculos de Agricultura no Brasil. Piracicaba: FEALQ, 2024, p.302-303.
[8] BRASIL. Decreto n. 9.671, de 17 de julho de 1912. Aprova o regulamento das estações sericícolas a que se refere o art. 72, letra O, da lei n. 2.544, de 4 de janeiro de 1912. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 27 jul. 1912b, p. 9.638.
[9] PORTO, Antonio José. Revisão bibliográfica. Sericicultura no Estado de São Paulo. In: Boletim de Indústria Animal, NOVA Odessa, v.71, n.3, p.292, 2014. Disponível em: https://bia.iz.sp.gov.br/index.php/bia/article/view/360. Acesso em: 24 de agos. de 2025.
[10] Idem.
[11] DOIS grandes problemas resolvidos na pasta da agricultura. A Tribuna. São Paulo: edição 00001, 1944. Hemeroteca Digital.
[12] PORTO, Antonio José. Revisão bibliográfica. Sericicultura no Estado de São Paulo. In: Boletim de Indústria Animal, NOVA Odessa, v.71, n.3, p.292-293 2014. Disponível em: https://bia.iz.sp.gov.br/index.php/bia/article/view/360. Acesso em: 24 de agos.2025.
[13]GIACOMIN, Alessandra Maria. Dinâmica da inovação da sericicultura no Brasil. 2018. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
[14] LOUREIRO, Felipe Pereira. Nos fios de uma trama esquecida: a indústria têxtil paulista nas décadas pós-depressão (1929-1950). Dissertação (Mestrado em História Econômica) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-11072007-102513/pt-br.php. Acesso em: 05 abr.2025
[15] PORTO, A.J. Histórico e evolução do módulo produtivo na Sericultura brasileira. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP. São Paulo: Conselho Regional de Medicina Veterinária, v.17, n.1, p.40-49, 2019. Disponível em: <https://www.revistamvez-crmvsp.com.br/index.php/recmvz/article/view/37842/42528>.Acesso em: 15 mar. 2025.