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O Museu da Imigração nos Arquivos de Veneza e Verona
No final do mês de junho deste ano (2019) o Museu da Imigração esteve na Itália para participar de um simpósio acerca da diáspora italiana e também realizar pesquisas em arquivos históricos de Veneza e Verona, mais especificamente o Archivio di Stato di Venezia e o Archivio di Stato di Verona.

A intenção principal dessas pesquisas era descobrir a origem de imigrantes italianos e suas famílias, naturais dessas províncias, que tiveram como destino o Brasil. Por origem entende-se as comunas (em italiano, comune; plural, comuni). Por meio desses documentos é possível compreender melhor as dinâmicas das migrações que afetaram a região do Vêneto, especialmente no final do século XIX. Essa região foi a que mais forneceu imigrantes para o Brasil, portanto entender melhor quem eram essas pessoas, de onde vieram e quando vieram, nos ajuda a entender melhor a formação da população brasileira (para alguns estados do Brasil particularmente e a partir do século XIX) e por extensão a nossa sociedade, nós mesmos.
Além disso tais registros auxiliam, evidentemente, àqueles que estão procurando informações mais específicas a respeito de seus antepassados italianos. Em alguns casos descobrir o comune de origem e a data de nascimento de um imigrante pode se tornar um processo complexo. Os documentos pesquisados ainda não se encontram em bancos de dados online; sendo assim, as informações reunidas pelo museu podem ser consideradas inéditas e, a partir de agosto de 2019, facilmente pesquisáveis no museu.
Cruzando os documentos dos arquivos italianos com os registros de matrícula da Hospedaria de Imigrantes do Brás conseguimos descobrir a origem de cerca de mil e quatrocentos imigrantes. Além desses, há dados para famílias que podem ter migrado para outros estados do Brasil (principalmente Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo e Minas Gerais) ou mesmo para o estado de São Paulo, porém sem terem sido acolhidas na Hospedaria.
No que diz respeito à província de Veneza, é interessante notar algumas características dos registros pesquisados. As datas de migração ocorrem de 1887 até 1897 principalmente e predominam imigrantes provenientes de municípios situados ao norte da província, principalmente àqueles que margeiam rios. Assim, os comuni que se destacam são San Donà di Piave, Musile di Piave, Noventa di Piave e Fossalta di Piave e Eraclea (anteriormente Grisolera): todos às margens do Rio Piave. Há ainda Torre di Mosto, Santo Stino di Livenza e Caorle, próximos ao Rio Livenza; Concordia Sagittaria e Portugruaro, às margens do Rio Lemene; Jesolo (anteriormente Cavazuccherina), ao lado do Rio Sile e San Michele al Tagliamento, na fronteira do Vêneto com a região de Friuli Venezia Giulia, e do lado do Rio Tagliamento. Já na parte sul da província de Veneza são relevantes, para a imigração no Brasil, os municípios de Chioggia e Cavarzere, aquele à beira-mar e este à margem do Rio Adige, já muito próximo da província de Rovigo.

No caso de Verona, chama a atenção como os comuni de origem dos imigrantes que vieram ao Brasil, no período pesquisado, vai do norte ao sul da província, porém absolutamente concentrados na parte leste e, novamente, a maioria próximas de rios ou cursos d’água. Ao norte há registros de imigrantes provenientes de Badia Calavena e Tregnago (este à margem do Progno D’Illasi), mais ao sul se destacam Ronco all’Adige, Minerbe, Legnago, Villa Bartolomea e Castagnaro, todos margeando o Rio Adige; ainda Isola Rizza e Oppeano, próximos ao curso d’água de Bussè. Isola della Scala, Trevenzuolo e Vigasio fogem à regra, se localizam mais no interior da província, em direção à Lombardia e mais afastados de rios.

Estudos clássicos sobre o êxodo que ocorreu na região do Vêneto, no final do século XIX, apontam uma série de fatores coincidentes para o fenômeno. Em meio ao contexto econômico do desenvolvimento do capitalismo italiano, de crises sucessivas que atingem, principalmente, o campesinato vêneto bem como os pequenos proprietários e arrendatários, há também situações climáticas e sanitárias, por exemplo, que concorrem para o incentivo do fluxo migratório.
No período citado as enchentes do Rio Pó são famosas, frequentes e influenciam no agravamento das crises – más colheitas, proliferação de doenças, falta de comida, destrição de residências, etc. Os registros pesquisados apontam, a princípio, que existe um relação entre as migrações do Vêneto e a sua própria geografia, no caso evidenciada pelo fato da maior parte dos municípios de origem dos imigrantes estar próxima dos rios, mesmo que pequenos.
Essa é apenas uma perspectiva de estudo tendo como base os documentos observados no Archivio di Stato di Verona e no Archivio di Stato di Venezia. É possível ainda verificar ano a ano ou até mesmo mês a mês as dinâmicas migratórias nas províncias citadas, tentar compreender melhor a atuação de agentes migratórios na região, por quais razões municípios que ficam relativamente próximos possuem características distinas no que diz respeito à imigração, aprofundar investigações sobre por que o norte de Veneza e o sudeste de Verona são áreas que fornecem a maior parte da mão de obra imigrante, verificar a importância e o relacionamento entre partes periféricas das províncias (há, por exemplo, uma quantidade razoável de pessoas que nascem na província de Treviso mas estão registradas em comuni próximos ao Rio Piave), dentre outras questões a serem discutidas futuramente.
O banco de dados com os documentos pesquisados estão prontos e são acessados, por enquanto, somente pelos pesquisadores do museu. A partir da avaliação das solicitações de buscas de registros de antepassados que chegam ao Centro de Preservação, Pesquisa e Referência (CPPR), os profissionais da instituição poderão utilizar essa nova ferramenta.