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Peça a peça: Entre um bule de chá e a chegada de chineses no Brasil
Em tempos de celebração do ano novo chinês, baseado no calendário lunar e que em 2017 é regido pelo Galo, o texto do Blog dessa semana traz, a partir da série “Peça a Peça”, um objeto da coleção museológica do Museu da Imigração que nos remete à cultura chinesa: um bule de chá.

O bule que apresentamos aqui é uma peça repleta de detalhes: em porcelana, traz pinturas principalmente nas cores vermelha, verde, azul, marrom e dourado; os desenhos têm motivos florais e geométricos, além das duas figuras humanas representadas no centro, em uma cena que lembra uma dança ou um galanteio. Além das duas alças e do bico, provavelmente havia uma tampa que se perdeu com o tempo.
No fundo do bule, encontra-se ainda uma inscrição em chinês, que parece ser a assinatura do artesão ou do proprietário. Praticamente não temos informações registradas sobre a trajetória dessa peça; sabemos apenas que ela foi doada ao Museu pela Fraternidade Descendência Americana, uma organização de Santa Bárbara d´Oeste cuja doação de um pequeno conjunto de peças deu origem ao núcleo inicial do acervo do Museu da Imigração dessa mesma cidade, no final da década de 1980. É possível que, em meio a esse processo, a peça que apresentamos aqui tenha vindo parar em nossa coleção museológica, por algum motivo que desconhecemos.

Em relação ao artefato em si, também podemos considerar a influência relevante dessa cultura presente na mesa dos brasileiros de vários períodos históricos; a porcelana chinesa foi um dos primeiros produtos globalizados que tiveram rápida aceitação quando adentraram o Ocidente, por volta do século XVI, primeiro como produto importado e, posteriormente, passando a ser produzida localmente. Essa circulação de objetos e técnicas influenciou os hábitos à mesa, os costumes e à própria arte ocidental ao longo do tempo.¹ Motivos conhecidos como chinoiseries - padronagens e temas que remetem à cultura oriental - ganharam destaque no design de muitos objetos de decoração, sendo utilizados inclusive na conformação da escola artística conhecida como impressionismo, em diversas partes da Europa.
O ritual oriental do chá viajou o mundo todo, incluindo a América. É interessante notar que o movimento migratório de chineses para o Brasil teve como ponto de partida, justamente, o cultivo do chá.
Os primeiros chineses ingressaram no Brasil no início do século XIX, motivados pelo desejo de Dom João VI de introduzir a cultura do chá no país. Em 1812, o navio Vulcano chega ao Rio de Janeiro com 300 chineses cultivadores de ervas da Província de Hubei, conhecida pela cultura do chá verde, trazendo mudas e sementes de Macau para a fazenda da família imperial, local em que hoje se encontra o Jardim Botânico Real. Os migrantes foram registrados no Brasil com nomes portugueses e cristãos e não com seus nomes originais.²
Ainda que o cultivo do produto tenha sido considerado um fracasso – muitos trabalhadores chineses se levantaram diante das condições de trabalho precárias e outros tantos fugiram e se mantiveram na cidade como vendedores ambulantes ou cozinheiros – o termo chinês “chá” se popularizou entre os brasileiros.³

¹Go Muo. A China em Portugal. Universidade de Aveiro, 2015. (Dissertação de mestrado)
²Shu Chang-sheng. Imigrantes e a imigração chinesa no Rio de Janeiro (1910-1990). Revista Leituras da História, v. ano II, p. 44-53, 2009.
³Jeffrey Lesser. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil.(tradução: Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres). São Paulo: Editora Unesp, 2001.