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Mulheres e Migração: Números e fontes sobre mulheres na migração contemporânea
Mulheres migram. Esse é um fato que ninguém dúvida. Além disso, estudos acadêmicos têm reiterado que esse deslocamento, quando comparado ao de homens, tende a ser invisibilizado. Mas quantas mulheres migram? Por que o fazem? Em que condições? De onde? Essas são perguntas que abrem diversas questões próprias às complexidades vinculadas ao estudo dos fenômenos migratórios.
No texto de hoje, compartilharemos brevemente alguns dados estatísticos referentes à migração das mulheres nas últimas décadas. A leitora ou o leitor, porém, deve ter cautela. Dados estatísticos sobre as migrações internacionais podem ser bastante controversos. Isso porque dependem do tipo de documentação emitida por cada país; das informações coletadas (ou não) de maneiras diferentes em cada lugar; do modo como os Estados incentivam (ou não) que migrantes se apresentem às instituições que levantam esses dados, e interesses e posições daqueles que organizam esses detalhes.
Portanto, o que se pode esperar é sempre uma imagem parcial, um meio a mais para acessar a realidade que se quer conhecer.
International migrant stock 2019 da ONU[1]
Compondo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UN DESA) conta com uma Divisão de População que publica, periodicamente, dados estimados da população de migrantes internacionais por todo o mundo.
Segundo a última atualização divulgada, com o título International migrant stock 2019, o número de migrantes internacionais, que no caso desse estudo significa pessoas vivendo em países ou outras áreas diferentes daqueles em que nasceu, pelo mundo era de 272 milhões de pessoas. O dado inclui todas situações e condições migratórias.
Desse total, segundo a análise, 47, 9% eram mulheres.
De acordo com a publicação,
"As mulheres representavam pouco menos da metade de todos os migrantes internacionais. A proporção de mulheres no número total de migrantes internacionais caiu de 49,3 por cento em 2000 para 47,9 por cento em 2019. A proporção de mulheres migrantes variou entre as regiões. Em 2019, a porcentagem de mulheres entre todos os migrantes internacionais era mais alta na América do Norte (51,8 por cento) e na Europa (51,4 por cento). Oceania (50,4 por cento), América Latina e Caribe (49,9 por cento), Ásia Central e Meridional (49,4 por cento) e Leste e Sudeste Asiático (49,3 por cento) receberam uma proporção quase igual de migrantes do sexo feminino e masculino. A proporção de mulheres migrantes era mais baixa na África Subsaariana (47,5 por cento) e no Norte da África e na Ásia Ocidental (35,5 por cento)."[2]
Global trends Forced Displacement in 2019 da ACNUR[3]
A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) trabalha na proteção dos refugiados, promovendo obtenção de documentos, trabalho, estudo e exercício dos direitos. Periodicamente, divulga dados sobre o refúgio no mundo (ver mais abaixo o caso específico para o Brasil).
Segundo o Global trends Forced Displacement publicado pela instituição em 2019, no período, o total de pessoas refugiadas e em situações similares a de refúgio[4] no mundo era de 20.4 milhões. Nesse universo, 48% se identificam com o sexo feminino e 52% se identificam com o sexo masculino.
No mesmo documento, a Agência compara essa informação ao da população mundial, que também conta com 48% que se identifica como feminina e 52% como masculino. Em relação à população de migrantes internacionais no mundo, 47% para identificação com o feminino e 53% para o masculino.
Observatório Demográfico de América Latina 2018: Migración internacional[5]
A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) é uma organização internacional de caráter regional, voltada a contribuir com o desenvolvimento econômico da América Latina e Caribe. Conta com o Observatório Demográfico de América Latina, que, periodicamente, apresenta estudos demográficos sob temas variados.
Por seu caráter regional, a publicação voltada às migrações internacionais do Observatório oferece uma perspectiva comparativa entre alguns dos países latino-americanos. Assim, identifica uma variação em que aparecem tanto nações com migração internacional majoritariamente feminina, como é o caso do Peru (em que a cada 100 homens migrando, se deslocam também 121 mulheres), quanto casos como o da República Dominicana, onde para cada 100 homens migram, proporcionalmente, apenas 57 mulheres.
Comparado a países sul-americanos, como o Chile (119 mulheres para cada 100 homens), a Argentina (116 para cada 100), a Bolívia (95 para cada 100) e o Paraguai (94 para cada 100), o Brasil apresenta uma proporção menor de mulheres migrando: 87,2 mulheres para cada 100 homens.
Banco interativo - Números da imigração internacional para o Brasil do NEPO (UNICAMP)[6]
O Observatório das Migrações em São Paulo é um grupo de pesquisa desenvolvido no Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (NEPO) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O Observatório organizou dados que constavam em suas publicações periódicas, os Atlas Temáticos das Migrações Internacionais e da Migração Refugiada, e deu acesso às informações em um portal interativo.
Nesse banco de dados, um dos dados trabalhados é o do censo nacional de 2010. Nele, consta que o total de migrantes internacionais no Brasil foi de 431.327, não importando a sua condição migratória ou ocupação. Dentre esse número, 200.117 eram mulheres (46,4%) e 231.210 eram homens (53,6%).
No Estado de São Paulo, 205.512 migrantes internacionais participaram do censo de 2010. Desses, 99.389 eram mulheres (48,4%) e 106.123 eram homens (51,6%), mostrando uma similaridade com o dado observado em âmbito nacional.
Já na cidade de São Paulo, 119.771 migrantes internacionais participaram do censo de 2010, sendo esses divididos entre 59.371 mulheres (49,7%) e 60.400 homens (50,4%).
Comparando os números, observamos que, do âmbito nacional ao municipal de São Paulo, há um aumento na proporção de mulheres em relação ao de homens.
Quando tomamos, por outro lado, dados de Campinas (2º município com mais migrantes internacionais no Estado), com 4.393 migrantes internacionais, essa proporção de mulheres se vê diminuída: 1962 mulheres (44,6%) e 2.431 homens (55,3%).
No portal, é possível acessar também os números mais recentes, constituídos em torno do Registro Nacional Migratório (que se chamava, até 2017, de Registro Nacional de Estrangeiro). Nele, podemos encontrar o total de pedidos de registros de migrantes internacionais no Brasil entre 2000 e 2020: 1.504.736. Quando separados por sexo, observa-se uma disparidade maior entre homens e mulheres: 550.161 mulheres (36,6%) e 954.532 (63,4%) homens.
Para o Estado de São Paulo, nesse mesmo período (2000 - 2020), registraram-se o pedido de 545.686 migrantes internacionais. Nesse âmbito, observa-se uma diferença similar ao dos dados nacionais entre os sexos: 209.054 mulheres (38,3%) e 336.623 homens (61,7%).
Como nas informações tomadas do Censo de 2010, essa disparidade se vê diminuída na medida em que chegamos ao âmbito municipal da cidade de São Paulo. Nele, considerando o mesmo período, o total de registros foi de 367.043. Quando separados por sexo: 145.807 mulheres solicitaram o registro (39,7%), para 221.230 homens (60,3%).
Outro dado interessante trabalhado no Banco interativo é o de matrículas escolares, que incluem dados de escolas públicas e privadas, as modalidades de ensino regular (educação infantil, fundamental e médio) e educação especial e de Jovens e Adultos (EJA), além da educação profissional (cursos técnicos e cursos de formação inicial continuada ou qualificação profissional). Segundo essas informações, foram matriculados 130.067 alunos que eram migrantes internacionais no ano de 2019. Desses: 61.940 eram mulheres (47,62%) e 68.127 eram homens (52,38%).
Para o ensino superior, a página conta com outra fonte, tomada do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Nela, para o ano de 2018, constam as matrículas de 17.061 pessoas migrantes internacionais. Quando separado por sexo: 7.719 mulheres (45,24%) e 9.342 homens (54,76%).
Refúgio em números - Parceria entre Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil e Agência da ONU para Refugiados (ACNUR)[7]
Da parceria mencionada acima, criou-se uma Plataforma Interativa de Decisões sobre a determinação da condição de refugiado no Brasil. Periodicamente, publicam compilações desses dados denominados "Refúgio em números".
Segundo o documento, em 2019, 82.552 pessoas solicitaram o reconhecimento de refúgio no Brasil. Desses, 36.945 eram mulheres (44,8%) e 45.592 eram homens (55,2%).
No mesmo ano, foram reconhecidos pelo Brasil o status de refugiado de 21.515 pessoas. Quando observamos a separação por sexo, 10.421 eram mulheres (48,4%) e 11.094 eram homens (51,6%).
Considerando um período mais longo, de 2011 até 2019, 239.706 pessoas solicitaram o reconhecimento de refúgio no Brasil. Desses, 89.852 eram de mulheres (37,48%) e 148.699 eram de homens (62%).
Um dado interessante apresentado pelo estudo também é a forma como varia a distribuição das solicitações, quando consideramos os países de nascimento das solicitantes. Por um lado, temos situações como a das pessoas solicitantes nascidas em Angola (44,37% foram feitas por mulheres) ou nascidas na Venezuela (44,9%), que representam quase metade dos pedidos. Por outro, casos como o das solicitações apresentadas por pessoas nascidas em Bangladesh (apenas 1,5% foram feitas por mulheres) ou no Senegal (2%) mostram um quadro em que o requerimento por homens predomina.
Observatório das Migrações Internacionais - OBMigra[8]
O Observatório das Migrações Internacionais - OBMigra é resultado de um convênio de cooperação entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) – por meio do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) – e a Universidade de Brasília (UnB). Publica diversos dados e estudos sobre a imigração internacional, a emigração brasileira para outros países e os projetos migratórios de retorno dos emigrantes brasileiros.
No relatório anual de 2020, divulgado pelo Observatório, encontramos o artigo "Imigração de mulheres no Brasil: movimentações, registros e inserção no mercado de trabalho formal (2010-2019)" de Tânia Tonhati e Marília Macêdo. Nele, as autoras trabalham alguns dados compilados pela instituição com o interesse principal de entender as migrações internacionais de mulheres.
Assim como o Observatório do NEPO (UNICAMP), uma das informações utilizadas pelas autoras toma como referência o Registro Nacional Migratório. A partir dele, consideram que houve, entre 2010 e 2019, o registro de 268.674 mulheres migrantes, sendo que:
- somente 22% desses registros foi por reagrupamento familiar;
- 69% eram de mulheres solteiras;
- 24% tinham entre 15 e 25 anos e 43% tinham entre 26 e 40 anos.
As autoras apresentam dados relativos à inserção laboral dessas mulheres em setores formais. De acordo com a compilação, que ofereceram do banco de dados RAIS-CTPSCAGED, em 2011, foram emitidas 3.722 carteiras de trabalho para mulheres migrantes. Já em 2019, esse número aumentou para 39.813.
O estudo ainda aponta a diferença entre as nacionalidades das mulheres que receberam essas carteiras, segundo o ano considerado:
- Em 2016, 46% das mulheres migrantes que obtiveram carteira de trabalho eram haitianas;
- Em 2019, 63% das carteiras de trabalho emitidas para mulheres migrantes foram para as mulheres venezuelanas.
Um dado apresentado pelas autoras ainda mostra que, apesar de um aumento significativo da presença feminina nas migrações internacionais para o Brasil, e apesar delas estarem procurando empregos formais (o que é deduzido do perfil socioeconômico e maior emissão de carteiras de trabalho), a proporção entre homens e mulheres no mercado de trabalho formal continuou bastante similar entre 2011 e 2019:
- Em 2011, dos trabalhos no mercado formal exercidos por migrantes, apenas 30,3% eram por mulheres;
- Em 2019, esse número ficou no patamar de 29,5%.
Mulheres migram de diversos lugares, com diversos interesses, em condições muito diferentes entre si. As informações, como detalhadas acima, dizem pouco das experiências migratórias dessas pessoas. Apesar disso, aproveitamos a oportunidade para apresentar algumas fontes confiáveis de informação, que podem ser exploradas com maior profundidade pela leitora ou leitor.
Referências bibliográficas
[1] https://www.un.org/en/development/desa/population/migration/data/estimates2/estimates19.asp.
[2] United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2019). International Migration 2019: Wall Chart (ST/ESA/SER/A/431).
[3] https://www.unhcr.org/5ee200e37.pdf.
[4] Segundo a organização, "PESSOAS EM SITUAÇÃO SEMELHANTE A REFUGIADOS referem-se a uma categoria que é de natureza descritiva e inclui grupos de pessoas que estão fora seu país ou território de origem e que enfrentam riscos de proteção semelhantes aos dos refugiados, mas para quem o status de refugiado tem, por motivos práticos ou outros razões, não apuradas". (Global trends Forced Displacement in 2019)
[6] https://www.nepo.unicamp.br/observatorio/bancointerativo/numeros-imigracao-internacional/.
[7] https://www.justica.gov.br/seus-direitos/refugio/refugio-em-numeros.
[8] https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/publicacoes-obmigra.