
Textos do Projeto RAIZ

Iroko, iroko...
Texto de Emicida, produzido para o Projeto RAIZ, do Museu da Imigração.
Iroko de queto, hoje tudo tá tão quieto.
Que os cemitério teria inveja do silêncio que ocupou essas boca aí ó conhecidas por ser tão barulhenta.
Iroko, Iroko, o barato é loco.
Os livro vão sendo ensinado a esquecer, quando não são incinerados
Esquecer, eu e você. o livro e o hd.
Somos 2 em bilhões, e olha isso não é pouco.
A linha do tempo, obedecendo uma parada que parece ciúme,
Vai desfazendo o amigurumi,
E sobra só umas nuvem falsa, nylon e embaraço.
Esse é nosso troco, iroko?
Sambar de barriga vazia
Louvar como se fosse ascensão ao paraíso
Quando algum Apolo falso me dá um bom dia.
Meu deus do céu, que viver mais oco.
Dos barco até os beco
Nóiz pula de sufoco em sufoco
chapano o coco, Metendo o loco,
Construindo esse país,
Onde sempre dá branco,
No fim que engole tudo que num for seu reflexo
Tadinho de nóiz, tadinho de nóiz e dos caboco
É Iroko, agora os bloco
já tem cheiro de ovo choco,
Quando choca é só serpente
Que nem surpreende mais
também já levamo tanto toco,
Quieto tipo estátua do barroco,
A gente morre aos muitos,
Eu quero abrir o foco,
Precisa doer, estilo um golpe sabe? Pow, um soco.
O vento que bate as janelas,
Assovia em cima das favelas
Também começa os tufões, os furacões,
girando assim inloco.
Como eu, ele é invisível,
Como você, ele é incrível.
Mas quando rodar em fogo e entulho,
E mais trocentos bagulho de trancar brioco!
Hum, queria que fosse era agora, queria
Me ensina sua paciência Iroko…
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A fresta
Por Maha Mamo, ex-apátrida, ex-refugiada, cidadã brasileira desde 2018.
(texto escrito por Darcio Oliveira).
Da pequena janela que meu pai criou
no quarto improvisado da minha querida Bourj Hammoud
Havia a fresta para o mundo
Via de minha cama, por essa fenda pequenina e providencial,
os aviões cruzarem o céu do Líbano
Sonhava estar em um deles, no meio das estrelas...
No teto de meu quarto também havia estrelas
De plástico, que eu mesma havia improvisado para tornar aquele meu espaço mais amplo
Era o meu infinito particular
Mas eu queria o céu de verdade, a possibilidade de voar dali,
Deixar o Líbano era a única forma de buscar o que eu mais sonhava na vida: existir oficialmente
Eu, que não tinha pátria, precisava buscar uma
Com uma pátria, viriam os documentos, o registro, a cidadania
Os direitos humanos mais básicos, que eu nunca tive
Não era pedir muito. Era?
Me disseram que se eu pegasse mil aviões, num gesto imaginário,
ali mesmo da fresta do meu quarto, olhando minhas estrelas de plástico,
O sonho se tornaria realidade e um dia eu estaria cruzando os céus
Ah, como eu queria voar.
Não havia noite em que eu não esticasse a mão para trazer
Os aviões para o meu quarto
Até que houve a noite abençoada, em setembro de 2014
Eu me vi sentada em uma poltrona, afivelando o cinto de segurança,
a profecia realizada: depois de mais de mil aviões imaginários eu estava, finalmente, em um deles.
Espremi os olhos na hora de decolagem, vi o céu da minha nova fresta, a janelinha de plástico da aeronave
Vi as nuvens ao meu lado, vi a noite chegar, o breu, as estrelas, o monitor do avião mostrando que estávamos cruzando o Atlântico
Então, ouvi o comandante anunciar a aterrissagem e a temperatura no Brasil
Calor lá fora, ele dizia. E calor aqui dentro, no meu coração ansioso pela nova vida.
Pensei no Brasil, a única nação, entre tantas que procurei, a me dar a chance de voar e de buscar os meus direitos
Era aqui que a vida nova começava. O renascimento.
Até que veio o dia abençoado: 4 de outubro de 2018, quando eu me tornei oficialmente brasileira. Sim... porque, no fundo, acho que eu sempre fui brasileira.
Só precisava de uma fresta para o destino me trazer até aqui.
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Homenagem às nossas árvores ancestrais
Por Emerson de Oliveira Souza - Etnia Guarani Nhandeva
Professor de Sociologia. Mestre e Doutorando em Antropologia Social PPGAS-USP.
Vivemos no limite de nossas vidas.
Vivemos no limite das decisões importantes de nossa vida.
Vivemos no limite para pensar um mundo novo.
Um mundo melhor, um mundo das plantas, das águas, dos rios e das florestas.
Devemos seguir os ensinamentos de grandes líderes indígenas. Que lutam para manter nossas arvores, nossos pássaros e nossos cantos e encantos. Nossos ancestrais estão por todas as partes e pedem socorro.
As árvores são nossos ancestrais e estão em todas as partes. São parte de um povo que se encantou.
Esses encantos se conecta a brisa da manhã, aos pássaros, aos grandes rios e grandes florestas.
Vivemos no limite.
Os tempos do hoje são difíceis.
Estamos conectados a várias partes do mundo.
Conectamos a ilusão e falsa ideia de união, próximo de tudo e todos.
Estamos diante de mudanças bruscas demais...Tristezas demais...
Minha querida árvore que se foi, enfim uniu-se de seus ancestrais, juntou-se ao mundo dos espíritos. Ao mundo sem sofrimento, ao mundo dos grandes líderes.
As antigas florestas que a chamaram para um novo mundo. Nosso grande pai “Nhanderu conhece bem suas raízes e seus encantos. Seja bem-vinda ao mundo dos grandes guerreiros indígenas.
Uma pena esse mundo que a maltratou e continua maltratando nossos ancestrais. Minha querida guerreira os perdoe. Perdoe esse olhar distante e de ilusões.
Perdoe aquele que não te vê e te deixou de lado na grande ilusão da cidade grande.
Querida floresta, que se foi pela ganância e sucumbiu em guerreiras da grande metrópole. Loucos foram aqueles que vivem sem te ver, observar, admirar, te amar, te regar e te abraçar. Nós a vimos no mundo encantando dos grandes guerreiros. Vimos o quanto você fez bem para todos, você sempre fez este mundo ser melhor. Ouviu os pássaros, os choros, as histórias, acolheu as formigas, acolheu as flores, sentiu a brisa de muitas manhãs. Sentiu o sol, a chuva com muita intensidade. Sentiu o canto e o encanto dos pássaros. Viveu a primavera, o verão, e outras estações do ano. Tão linda e bela foi o seu sorriso na grande cidade.
Enfim, Vivemos no limite de nossas vidas.
Vivemos no limite das decisões importantes de nossa vida.
Vivemos no limite para pensar um novo mundo.
Um mundo melhor, um mundo das plantas, das águas, dos rios e das florestas.
Um mundo dos homens criado por Nhanderu, nosso grande pai.