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Hospedaria de Histórias: Canadenses na Hospedaria em 1896 - As razões e consequências desse fato inusitado
Quando falamos sobre a história da imigração para o Brasil logo relacionamos esse processo às tradicionais comunidades de imigrantes que se estabeleceram no país desde o século XIX. Sendo assim, pensamos principalmente nos italianos, portugueses e espanhóis; alguns citam ainda os japoneses, sírios e libaneses, povos oriundos do leste europeu e judeus.
De maneira geral o fluxo dessas pessoas se direciona no sentido Leste-Oeste, ou seja, da Europa e Ásia para o continente americano. São poucos conhecidos os movimentos de pessoas que ocorreram entre os países pertencentes às Américas. Se hoje se estuda e debate intensamente a presença de latino-americanos no Estados Unidos ou até mesmo os bolivianos no Brasil, por exemplo, o mesmo não acontece quando se trata de deslocamentos ocorridos entre fins do século XIX e começo do século XX.
Nos registros de matrículas da Hospedaria de Imigrantes do Brás do ano de 1896 aparecessem algumas centenas de canadenses. Como explicar e entender as razões que fizeram com que famílias que habitavam o Canadá, mais especificamente a região da cidade de Montréal, no século XIX, escolhessem o interior do estado de São Paulo como destino para os próximos capítulos de suas vidas. Conseguimos imaginar canadenses plantando café sob o sol escaldante do interior paulista? Teria isso possibilidade de dar certo?
A história nos mostrará que não.
O fato é que em setembro de 1896, no porto de Montréal, quase 800 pessoas embarcaram no navio que os levaria ao porto de Santos, o vapor Moravia. Aos berros no cais uma multidão instigava para que os passageiros descessem dos navios. Eram familiares e amigos dos passageiros que acreditavam que aquela “aventura” seria um tanto insensata. Além destes, existiam os curiosos apenas observando a inusitada cena[1].
Os berros se fizeram ouvir por dezenas, centenas. Um marido desistiu da viagem, sua esposa não. Ele então carregou-a nos braços para fora da embarcação em meio ao júbilo da multidão. Dos 776 embarcados, 481 teimosos permaneceram no navio e iniciaram a viagem que, em outubro de 1896, se completaria no litoral santista[2].
Subiram a serra e passaram oito dias na Hospedaria de Imigrantes, como faziam e iriam fazer italianos, espanhóis, portugueses, japoneses, lituanos etc. Os registros de matrícula nos revelam que eram numerosas as famílias presentes; havia ainda gente solteira, viúva, homens casados sem suas esposas, mulheres casadas sem seus maridos, adolescentes, crianças, bebês. Tais sinais indicam que havia, pelo menos na maioria dos casos, certa disposição dessas pessoas em permanecer no Brasil.
Esses canadenses foram direcionados para fazendas nos municípios de Rio Claro, Ribeirão Preto, Mogi das Cruzes e Santa Cruz das Palmeiras principalmente. Apesar de terem dito que eram agricultores, apenas dois realmente eram. O resultado? Fracasso. Muitos fugiram das fazendas, alguns tornara-se indigentes em São Paulo. Tiveram que recorrer ao consulado britânico que fez com que boa parte retornasse ao Canadá. Outros voltaram por conta própria depois de alguns anos.
Mas por que, afinal, tais pessoas saíram do Canadá para o Brasil em 1896?
Essa é uma das questões que John Zucchi, professor de História na McGill University, procura responder em seu artigo “Mad Flight? The Montréal Migration of 1896 to Brazil”, que nos serviu de base para escrevermos esse pequeno texto.
Dentre os motivos estão a crise econômica que atinge o Canadá no meio da década de 1890, uma alta taxa de desemprego, o papel desempenhado pela intensa propaganda brasileira em terras canadenses, o apoio de figuras políticas e religiosas de destaque na região do Quebec, um enraizamento não tão forte de algumas famílias que tinham se estabelecido no Canadá há pouco tempo, ou seja, ainda não tinham criado laços intensos na sociedade canadense, a migração por impulso ou o desejo de aventura[3].
Tal fato nos mostra como a migração histórica para o Brasil foi dinâmica, ocorreu em diversas frentes e foi muito mais complexa do que o imaginado. O plano do Brasil era trazer, pelo menos, dez mil canadenses para São Paulo. Poderíamos citar ainda o caso dos ingleses de Bradford, que chegaram na Hospedaria entre 1891 e 1892, de imigrantes provenientes dos Estados Unidos, ainda no século XIX, e dos argentinos, que aparecem na Hospedaria desde 1889. Mas esses são temas para outros textos.
[1] ZUCCHI, John. Mad Flight? The Montréal Migration of 1896 to Brazil. Journal of the Canadian Historical Association, 24(2), pp.189-217, 2013.
[2] Ibid, p.190-191
[3] Ibid.