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Peça a peça: uma caixa e um chapéu
Durante o processo de curadoria da exposição temporária “Da cabeça aos pés”, aberta em dezembro de 2017, os núcleos de pesquisa e preservação da instituição passaram a se debruçar com mais atenção sobre as peças de correspondiam à tipologia de “acessórios de vestuário”. Dentre esses objetos, os chapéus marcam uma forte presença, tanto por sua variedade e suas características, quanto pela quantidade deste tipo de item no acervo;[1] na exposição, estão presentes dois chapéus de nossa coleção museológica e ainda mais seis emprestados pelos participantes da mostra.
Um outro tipo de item também nos chamou a atenção na ocasião, porém não entrou para a exposição por se tratar de outra tipologia de objetos, classificada como “repositórios”: são as caixas de objetos de moda e vestuário, como as caixas de chapéu. Dentre aquelas de nosso acervo – onze no total –, esta nos pareceu a mais curiosa, tanto em seus aspectos materiais, quanto com relação às informações de seu processo de doação.

Trata-se de uma caixa para chapéu, em papelão, com base em formato elíptico, na tonalidade bege, provido de suporte interno e tampa. Ela traz ilustrações em toda a parte externa, com representação de rostos masculinos – todos com chapéu. Nela está estampada ainda a logomarca “Ramenzoni” e algumas inscrições sobre a confecção: “São Paulo”; “Dante Ramenzoni S.A – 1894”; Manuscrito, em lápis azul, consta ainda: “57”; “24”; “Aço”; “XX” – possivelmente, anotações referentes à loja e ao modelo do produto.
No entanto, outro objeto foi doado junto com a caixa, nos ajudando a compreender um pouco mais essas peças: trata-se justamente de um chapéu masculino em feltro na tonalidade cinza, com faixa em gorgorão na cor preta. Este também possui algumas inscrições e etiquetas: “Casa Lourenço - Estrada do Oratório, 939 - São Paulo” (em dourado na faixa interna – provavelmente uma referência à loja onde o chapéu foi adquirido), “Cury; Grande marca” (em dourado, na faixa interna e estampado no forro), “Creacoes Originaes”; “Cury, 58” (etiqueta em papel dourado costurada na faixa interna), além de uma placa circular em metal, junto à etiqueta, com a marca “Cury”, mais uma vez.

De acordo com Iracema Mafalda Longano Ferrante, a doadora desses objetos, o chapéu pertenceu ao avô de seu marido, Sr. João Teixeira dos Santos que, muito vaidoso, teria comprado cortes de tecido e chapéus em grande quantidade. Ele não chegou a ser usado, pois Sr. João faleceu repentinamente. De fato, o chapéu encontra-se em ótimo estado de conservação, possuindo apenas algumas marcas adquiridas com o tempo, com a etiqueta original ainda presa a seu forro; segundo a doadora, é possivelmente datado da década de 1960. Esteve guardado com sua filha, Walkiria, até bem pouco tempo antes da doação ao Museu, que ocorreu em 2010.
Pelo processo de doação, não fica claro se essa caixa era o repositório original do chapéu. Observando as etiquetas e marcações dos dois objetos, vimos que são de duas marcas diferentes: a primeira, estampada na caixa, é a Ramenzoni; a segunda, que aparece na etiqueta no forro do chapéu, é a Cury: ambas importantes marcas no mercado de confecção de chapéus do estado de São Paulo.

Ramenzoni foi fundada por um migrante italiano, Dante Ramenzoni, no bairro do Cambuci, em São Paulo, no ano de 1894. Tendo seu auge nos anos 1950, a fábrica entrou em decadência algum tempo depois, provavelmente devido ao desuso dos chapéus como parte imprescindível do vestuário; em 1972 ela encerrou suas atividades. Em 1975 a marca e todo seu maquinário foram adquiridos justamente pela Cury. Essa última, instalada na cidade de Campinas, foi fundada por Miguel Vicente Cury, de origem libanesa, que, por sua vez, comprou uma fábrica de empresários alemães, e fundou sua própria marca em 1920; ainda hoje funciona e é inclusive conhecida mundialmente por ter criado o chapéu que o ator Harrison Ford utilizou nos filmes da série Indiana Jones, na década de 1980. Na etiqueta presa junto ao forro, lê-se: “Há sempre um melhor de todos. Grande marca Cury é de todos o melhor. V. S. acaba de adquirir o melhor chapéu fabricado até hoje no Brasil. Garantido por um fabricante que só produz chapéu em finíssimos feltros”.
Embora a caixa estampe em sua parte externa chapéus muito parecidos com este, a diferença no estado de conservação das duas peças, bem como as informações contidas nas etiquetas, as datas e a história das marcas nos levam a crer que ela não era o repositório original do mesmo. No entanto, o formato interno da caixa também é bastante curioso, e só passamos a entender melhor sua funcionalidade quando olhamos para os dois itens, lado a lado: a estrutura interna deve acomodar um chapéu parecido com este de ponta de cabeça, com as abas para cima e sua estrutura encaixada para, assim, estar bem apoiada e evitar avarias.

A caixa, como vimos, possui mais marcas de uso e desgaste. Teria sido usada para outras finalidades que não só guardar o chapéu? É bastante comum vermos caixas assim – ou de outros produtos tais como camisas, eletrodomésticos etc. – guardando documentos, fotos e outros objetos dentro do espaço doméstico das famílias.
E você, imagina outros usos que uma caixa como esta poderia ter dentro de casa?
Se você se interessa por esse assunto, fique de olho, pois o Museu da Imigração irá realizar uma nova exposição temporária no final de 2018 sobre o conceito de casa e possíveis formas de morar na história das migrações em São Paulo.
[1] Entre chapéus, casquetes, toucas, gorros, bonés e boinas são no total 112 itens. Você pode ler outros textos no blog do CPPR sobre chapéus e casquetes do acervo:
Peça a peça: Casquetes - especial Carnaval
Peça a peça – edição especial Semana Francesa: Chapéus femininos