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Brasileiros na Hospedaria: Atrás da estação Roosevelt
Quando lemos o título dessa série, "Brasileiros na Hospedaria", ou acompanhamos as atividades do Museu da Imigração que tratam de "Hospedaria", naturalmente relacionamos essas ações com a história da Hospedaria de Imigrantes do Brás, edifício em que se localiza o MI. De maneira geral, quando se fala das hospedarias de imigrantes no Brasil, os olhares repousam no Brás, na capital paulista, e na Ilha das Flores, no Rio de Janeiro. De fato, essas duas instituições foram as maiores em nosso país. Funcionaram por bastante tempo, acolheram juntas milhões de pessoas, de dezenas nacionalidades diferentes e de todas partes do Brasil. No entanto, não foram as únicas hospedarias no território brasileiro; aliás, não foram as únicas nem mesmo nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Contudo, por serem consideradas as mais importantes, foram mais estudadas e, consequentemente, são mais conhecidas.
No início da década de 1950, as migrações de brasileiros, especialmente nordestinos, para a região Sudeste do país aumentaram exponencialmente. Uma razão significativa para a intensificação desse movimento foi a grande seca que atingiu o Nordeste em 1951, 1952 e 1953. De todo modo, já havia uma percepção de que, no final da década de 1940, os números de entradas de migrantes em São Paulo estavam se expandindo ano após ano. Isso não foi suficiente para que os estados se preparassem adequadamente para receber essas pessoas, mesmo que temporariamente. O resultado dessa inoperância foi o desencadeamento de uma cadeia de problemas, dentre eles a necessidade de improvisar hospedarias, seja no meio do caminho ou no estado de destino.
A tabela 1 ilustra melhor os números da migração de nacionais para São Paulo entre as décadas de 1940 e 1950. Nela é possível perceber, quantitativamente, o protagonismo de baianos e mineiros, seguidos pelos pernambucanos, alagoanos, cearenses e sergipanos. No período de dez anos (1941/1950), mais de 520 mil brasileiros procuraram se estabelecer em solo paulista, número largamente ultrapassado só nos cinco primeiros anos da década de 1950 (1951/1955), com os mais de 760 mil registros de entradas[1].
Se pararmos para analisar e contabilizar, 760 mil entradas em cinco anos significam pouco mais de 150 mil entradas por ano, ou seja, em média chegavam em São Paulo, todo mês, quase 13 mil pessoas. Evidentemente que, para acolher tanta gente em pouco tempo, era necessária uma logística extremamente eficiente. Porém, não foi bem isso o que ocorreu. A Hospedaria de Imigrantes do Brás foi construída com o objetivo de receber, idealmente, entre três e quatro mil pessoas. Sabemos que logo nos primeiros anos de seu funcionamento (final do século XIX), acolheu, em determinadas ocasiões, cerca de oito ou nove mil pessoas simultaneamente. Assim sendo, pode-se dizer que o edifício era uma boa ferramenta no auxílio aos milhares de migrantes brasileiros que viajavam para São Paulo no final da década de 1940 e início da década de 1950.
No entanto, havia um grave problema: as instalações da Hospedaria de Imigrantes do Brás foram cedidas, no início da década de 1940, à Aeronáutica para o estabelecimento da Escola Técnica da Aviação. Ainda em 1951, o edifício pertencia aos militares, ou seja, não havia Hospedaria do Brás para os migrantes nesse período. Uma reportagem do jornal Correio Paulistano, publicada em 27 de março de 1951, discorre sobre o assunto. Todas as manhãs desembarcavam na estação Roosevelt (conhecida também como estação do Norte e, depois, como estação do Brás) centenas de migrantes. A publicação aponta que os funcionários da estrada de ferro se referiam a todos como baianos, ou seja, eram baianos de Minas Gerais, baianos do Piauí, baianos do Ceará e baianos da Bahia, também[2]. Após o desembarque, as pessoas eram levadas para um casarão, a aproximadamente 500 metros da estação, onde tomavam a vacina contra a varíola e eram registradas. Não havia hospedagem para todos. O governo possuía uma espécie de parceria com "dois hotelzinhos de quinta classe"[3] que não suportavam receber pessoas naquela quantidade (era comum chegar, em um só dia, cerca de 700 migrantes). A matéria acrescenta:
"Ninguém nega que São Paulo deve grande parte de sua riqueza ao trabalho dos nordestinos. Muitas das fazendas do interior foram abertas e mantidas pelo braço de cearenses, baianos, pernambucanos. Não é justo portanto que os imigrantes do Nordeste continuem sem um teto para repousa quando chegam a São Paulo, atirados como animais no cimento frio da estação do Norte. Antigamente havia a "Imigração". Hoje o prédio está ocupado pela Escola Técnica da Aviação. É necessário, portanto, que as autoridades competentes, colocando seu espírito de brasilidades acima de quaisquer regionalismos e burocracia, encontrem a mais rápida solução para o problema".[4]
Efetivamente, duas ações tiveram maior destaque na tentativa de resolver a questão da acolhida de migrantes na chegada à São Paulo. Uma delas foi a pressão para que a Aeronáutica devolvesse o edifício da antiga Hospedaria do Brás para que o mesmo voltasse a ter sua função original. Outra foi o início da construção de mais uma Hospedaria atrás da estação Roosevelt, na rua Alegria, número 233, bem próximo do edifício do Brás. Já em março de 1951, com as obras inacabadas, o prédio servia como local para recenseamento dos recém-chegados, vacinação contra a varíola e negociação de contratos de trabalho.
Se São Paulo, que era uma cidade acostumada a receber migrantes desde o fim do século XIX, possuía certa estrutura para recepção, transporte, alimentação e encaminhamento, passou por essas sérias dificuldades, imaginemos o que ocorria no meio do caminho, especialmente em Minas Gerais. Nessa mesma época, em uma cidade do estado mineiro, o número de migrantes esperando transporte para São Paulo ou Rio de Janeiro superou o número da população da cidade. Em quais hospedarias esses brasileiros tiveram que dormir? Isso é assunto para o próximo texto dessa série.