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Brasileiros na Hospedaria: Os sem-matrícula
Logo abaixo podemos ver uma fotografia que foi publicada no jornal Correio Paulistano no dia 02 de fevereiro de 1937. Na legenda original, constava que esse local era o pátio da Hospedaria de Imigrantes do Brás. Apesar da baixa resolução, é possível perceber alguns detalhes nessa foto. O espaço, em primeiro lugar, aparenta ser mais uma sala do que um pátio, propriamente dito. Outro aspecto que chama atenção é a lotação do lugar, com a presença exclusiva de homens, todos bem vestidos, com terno e gravata.
A princípio procuraremos resolver a questão do espaço, investigando qual local da Hospedaria seria esse, onde as pessoas estavam. Algumas imagens presentes em nosso acervo iconográfico, que se encontra disponível para consulta online no site do Museu da Imigração, nos ajudam na busca por uma resposta. A imagem abaixo, por exemplo, mostra a sala de matrícula da Hospedaria após a reforma de 1936. Conseguimos observar que se trata do mesmo local do primeiro registro.
Agora, vamos fazer outro exercício: comparar a primeira foto com a seguinte, em que aparecem migrantes aguardando para fazer o registro de matrícula.
Na fotografia acima vemos homens, mulheres, adolescentes, crianças e bebês. São algumas famílias de migrantes brasileiros, recém-chegados na Hospedaria de Imigrantes do Brás, esperando para serem chamados e devidamente registrados. Suas roupas são mais simples e estão sentados em uma direção contrária às pessoas da primeira imagem. Quem eram, afinal, aqueles homens e o que estavam fazendo? Eram migrantes brasileiros? Migrantes estrangeiros? Chefes de família aguardando assinaturas de contratos de trabalho ou a visita de alguma autoridade?
Na verdade, os homens estavam vestidos para uma cerimônia religiosa. No início do ano de 1937, foi realizado em São Paulo um retiro espiritual das Congregações Marianas. Participaram cerca de 4 mil congregados, que se distribuíram por diversos edifícios da capital paulista. Na Hospedaria foram acolhidos cerca de mil deles. O informe jornalístico destacava que as refeições servidas no edifício foram abundantes e com menu variado, o serviço de mesa perfeitamente organizado e os dormitórios apresentavam aspecto magnífico. Quem dirigiu os trabalhos espirituais na Hospedaria foi o monsenhor Ernesto de Paula, vigário geral do Arcebispado, coadjuvado por diversos seminaristas e pelo diretor da Federação das Congregações Marianas, doutor Vicente Melillo.
O evento citado nos mostra, mais uma vez, que o edifício da Hospedaria de Imigrantes do Brás era utilizado, em determinadas ocasiões, para acolher pessoas que não eram, necessariamente, migrantes recém-chegados em São Paulo. Em outros artigos publicados aqui no Blog do CPPR, já mencionamos, por exemplo, que durante a Revolta Paulista de 1924 a Hospedaria foi refúgio para estudantes de um colégio que ficava ao lado do Palácio dos Campos Elíseos, constantemente bombardeado. Ainda no contexto desse conflito, a Hospedaria se transformou em presídio político. No início dos anos 1930, tornou-se uma espécie de manicômio e, depois, quartel. Em meados de julho de 1937, poucos meses depois do congresso mariano, a Hospedaria serviu de abrigo para uma delegação de escoteiros cariocas da União dos Escoteiros do Brasil.
Levando em consideração todos esses fatos, podemos nos perguntar: essas pessoas foram registradas na Hospedaria? É possível saber os seus nomes?
Pelo que averiguamos, até então, a resposta é não. Por enquanto só foram encontradas matrículas de migrantes que passaram pelo edifício, sejam recém-chegados, os que iam ser repatriados ou, ainda, aqueles que precisavam resolver algo na capital e entravam novamente na Hospedaria.
Os nomes dos brasileiros que participaram desses eventos excepcionais, que também se relacionaram com a Hospedaria do Brás, ainda são algumas das muitas incógnitas por trás da história tão rica e complexa dessa instituição.
Foto da chamada: sala de matrículas da Hospedaria de Imigrantes do Brás.