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Hospedaria de Histórias: O que um pedido de restituição de valor gasto com passagem tem a ver com o cardápio de um navio?
É quarta-feira; você acorda com fome e tem duas opções de café da manhã: café e pão ou café com biscoito. Pouco satisfeito, espera ansiosamente a hora do almoço, dependendo do seu lugar de origem o cardápio é diferente. No seu caso os pratos serão de sopa (minestrone) de macarrão e grão de bico ou ensopado de carne com lentilha. Para beber? Vinho italiano. O dia passa e o jantar se aproxima, hoje é dia de macarrão alho e óleo com anchovas junto de uma salada de batatas e cebolas. Para beber? Vinho italiano.
Por três vezes, durante vinte e dois dias, esse foi o menu de quarta-feira do navio Garibaldi, mais precisamente nos dias 2 de maio de 1923, 9 de maio de 1923 e 16 de maio de 1923. O navio partira de Gênova, na Itália, em 28 de abril de 1923 com destino a Santos, escalas programadas em Nápoles e Palermo.

Mas nem todos os navios tinham esse menu específico. Tal cardápio era direcionado aos barcos em que predominavam imigrantes oriundos da região sul da Itália, como os calabreses, sicilianos, napolitanos etc. A imigrante da região do Vêneto, Ester Tiengo e seus filhos Cesare Piva, Guerina, Maria, Alfredo e Bruna poderiam ter comido às quartas-feiras, durante a viagem, sopa (minestrone) alla genovese, carne ou bacalhau cozido com batatas – isso nos almoços; para a janta as opções seriam macarrão ou arroz no caldo de carne com verduras ou carne cozida com lentilhas. Para beber? Vinho italiano, no caso de predominância de imigrantes do norte italiano.
O cardápio variava todos os dias e se repetia semanalmente. A quantidade dos ingredientes, inclusive, mudava conforme o dia da semana. A pasta di buona qualita (macarrão de boa qualidade), por exemplo, era servida em maiores quantidades durante às sextas e domingos, no caso do cardápio setentrional. Os meridionais eram servidos desse mesmo macarrão durante as segundas-feiras. E o vinho italiano? Bom, esse era oferecido em igual quantidade durantes todos dias. Certa também era presença do macarrão. Em ambos os cardápios havia a opção diária pela tradicional massa.
O Núcleo de Pesquisa do Museu da Imigração chegou a essas informações em razão da mencionada imigrante Ester Tiengo. Ela embarcou em Gênova acompanhada dos filhos no dia 28 de abril de 1923. Chegou à Hospedaria de Imigrantes do Brás em 20 de maio de 1923 e teve como destino a fazenda Limeira, em São Manuel, interior de São Paulo. Gastou com as passagens do navio 7.600 liras italianas e resolveu solicitar ao Secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr. Heitor Penteado, a restituição do valor gasto com as passagens. Nesse processo foram inclusas as passagens dela e dos filhos, em que constavam o cardápio do navio, os requerimentos formais e passaportes. Estes últimos podem ter sido perdidos pois não se encontram em meio à documentação do Museu.

O Museu da Imigração possui vários desses requerimentos digitalizados e disponíveis na seção “Acervo Digital” do site do museu, chamados “Requerimentos SACOP”. São precisamente 1485 processos digitalizados, muitos com fotos, cópias de passaportes, passagens originais e documentos assinados por autoridades do Estado. A maioria desses documentos, que vão de 1906 a 1934, possui o mesmo teor da requisição da Ester, ou seja, restituição do dinheiro gasto com passagens. As nacionalidades presentes nessa documentação são ao menos dezoito; há principalmente italianos e portugueses, mas também brasileiros, alemães, suíços, húngaros, belgas um boliviano, um armênio etc.
Muitos desses imigrantes passaram pela Hospedaria, como Ester e seus filhos, e sem dúvida é essa documentação, presente no site do museu, que apresenta mais detalhes com relação à origem, viagem e destino de tais pessoas. Tal documentação é, desse modo, fonte indispensável para compreender uma fase da imigração para o Brasil, além de auxiliar em certos casos nas buscas por informações mais precisas sobre os antepassados.
