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Legislação brasileira: controle e embranquecimento do mercado de trabalho livre
Por Ana Carolina Falconeris[1]
Desde as primeiras décadas do século XIX, as elites brasileiras já previam o fim da escravidão e se preparavam para uma implementação gradual e controlada do trabalho livre. É nesse contexto que a política migratória é assumida como política estatal, justificada através da necessidade cada vez maior de captar mão de obra para a cafeicultura brasileira. Portanto, a política migratória e a derrocada da escravidão e sua abolição, não devem ser vistos como simples coincidência e eventos isolados. A Hospedaria de Imigrantes do Brás começou a ser construída em 1886, e recebeu seu primeiro grupo de imigrantes europeus em junho de 1887. Alguns meses depois, em maio de 1888 a lei que declarava extinta a escravidão no Brasil fora assinada.
As leis listadas a seguir são parte de um trabalho de pesquisa que procurou localizar e analisar a legislação do século XIX no Brasil, pautadas pela ideologia do branqueamento. Sendo esse termo usado para políticas públicas do século XX, localizamos a política de branqueamento no século XIX como a paulatina exclusão do negro no processo de inclusão do branco ao mercado de trabalho livre. Acreditamos que essa exclusão se dá de maneira lenta, a partir de um conjunto de leis que dificultavam o acesso do negro liberto, alforriado, à terra e ao trabalho, enquanto que promovia a entrada ao mercado de trabalho dos grupos de imigrantes europeus.
Até o presente momento foram localizadas 36 (trinta e seis) leis, entre elas nacionais e municipais, que contribuíram para esse processo de alijamento do afrodescendente. A seguir levantaremos algumas dessas leis nacionais, que são nominalmente conhecidas pelo público geral, e, portanto, são importantes na história do Brasil, e essenciais para explicar as consequências desse processo de branqueamento.
As leis a seguir, representam um projeto da elite brasileira, que tinha por base o ideal de construção de uma nação entendida como "moderna". O escravismo, e o tipo de sociedade que o mantinha, era visto como obstáculo à ideia de modernidade buscada pelas elites brasileiras. Apesar disso, essas mesmas elites compreendiam que o final do regime e a nova realidade econômica, social e política, deveriam se dar de maneira gradual e controlada. Vale ressaltar, que esse setor dirigente, sobretudo a paulista, entendia modernidade não apenas como a eliminação do trabalho escravo, mas também com a eliminação de tudo que remetesse a escravidão, ou seja, aquele que, mesmo livre, denunciava a sua existência recente: o negro. Surge então, ao mesmo tempo, mecanismos de controle do trabalhador e do mercado de trabalho livre, um discurso racista, de desqualificação do trabalhador nacional e hiper valorização do estrangeiro, sinônimo de moderno, civilizado, puro, científico.
A seguinte legislação colaborou paulatinamente para desestruturar a instituição de mais de 350 anos da escravidão e incentivar a vinda de imigrantes europeus, que por sua vez, era desejado, promovido e financiado por essas mesmas elites. O estudo pormenorizado destes textos nos dá indícios que essa legislação foi resultado da necessidade das elites de se adaptarem a nova realidade econômica e de produção, e atende, ainda, a uma concepção ideológica, decorrente do darwinismo social, que enxerga o negro como atraso, e menos capaz que o branco europeu.
1. Lei n. 108 de 11 de outubro de 1837
Voltada especialmente para trabalhadores estrangeiros, aprovada em um período de pressões internas e externas contra o tráfico africano de escravos, e em um momento de expansão da economia cafeeira que provocava uma alta demanda de braços, a lei de 1837 vai ter significação diferente da lei de 13 de setembro de 1830[2]. Ela foi claramente um dos pontos de partida para o estabelecimento de uma política voltada para a criação de alternativas para o trabalho escravo. Foi, portanto, integrada à elaboração de uma política de atração de imigrantes. Com essa lei, a lei de 1830 ficaria restrita a um pequeno número de trabalhadores nacionais[3].
Art. 1°: O contracto de locação de serviços, celebrado no Imperio, ou fóra, para se verificar dentro delle, pelo qual algum estrangeiro se obrigar como locador, só póde provar-se por escripto. Se o ajuste fór tratado com interferencia de alguma Sociedade de Colonisação reconhecida pelo Governo no Municipio da Côrte, e pelos Presidentes nas Provincias, os titulos por ellas passados, e as certidões extrahidas dos seus livros, terão fé publica para prova do contracto.
Com base nessa legislação foram elaborados os contratos de prestação de serviços até 1879. O que interessa aqui é ressaltar que em 1837 a legislação já mostrava preocupação com o estabelecimento de condições que facilitassem a imigração, por meio de condições contratuais para realização do trabalho.
2. Lei n. 514 de 28 de outubro de 1848
Através dessa lei, o governo do Império concedia a cada província 26 léguas quadradas de terras devolutas destinadas a colonização e textualmente especificava em seu artigo 16:
Art. 16º A cada huma das Provincias do lmperio ficão concedidas no mesmo, ou em diferentes lugares de seu territorio, seis leguas em quadra de terras devolutas, as quaes serão exclusivamente destinadas á colonisação, e não poderão ser roteadas por braços escravos.
Assim, era sonegado ao escravo o direito de acesso à terra, diferentemente do que se fazia com os imigrantes brancos europeus.
3. Lei n. 601 de 18 de setembro de 1850
Conhecida como Lei de Terras, determinava que as terras deveriam ser adquiridas através de compra, não sendo permitidas novas concessões de sesmaria, tampouco a ocupação por posse. Assinada alguns dias depois da proibição do tráfico, na realidade, a lei criou dificuldades para o acesso do pobre livre à terra, contribuiu com a cristalização do latifúndio e objetivava o incremento da imigração estrangeira, autorizando o governo a promover a criação de colônias[4]. O artigo 18 deixa menos velado o caráter excludente da lei, pois mostra que procurou incentivar a colonização de imigrantes europeus através da concessão de lotes de terras devolutas:
Art. 18. O Governo fica autorizado a mandar vir annualmente á custa do Thesouro certo numero de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agricolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração publica, ou na formação de colonias nos logares em que estas mais convierem; tomando anticipadamente as medidas necessarias para que taes colonos achem emprego logo que desembarcarem.
Além disso, o artigo 17 vincula a naturalização dos imigrantes a compra de terras, explicitando a intenção de incentivar a integração do imigrante à sociedade com condições econômicas:
Art. 17. Os estrangeiros que comprarem terras, e nellas se estabelecerem, ou vierem á sua custa exercer qualquer industria no paiz, serão naturalisados querendo, depois de dous annos de residencia pela fórma por que o foram os da colonia de S, Leopoldo, e ficarão isentos do serviço militar, menos do da Guarda Nacional dentro do municipio.
Por outro lado, praticamente eliminou a figura do posseiro, impedindo que pessoas pobres, em especial negros ex-escravizados libertados ou alforriados, sem indenização, acessassem às terras e pudessem praticar a cultura de subsistência. A eliminação do posseiro fica clara no artigo 1° e 2°:
Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra.
Art. 2º Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nellas derribarem mattos ou lhes puzerem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de bemfeitorias, e de mais soffrerão a pena de dous a seis mezes do prisão e multa de 100$, além da satisfação do damno causado. Esta pena, porém, não terá logar nos actos possessorios entre heréos confinantes.
Já a dificuldade de acesso à terra por parte dos pobres, em especial os negros ex-escravizados, é implícita quando os libertos e alforriados não recebiam indenização, impossibilitando que comprassem terras com recursos próprios para cultivarem cultura de subsistência. Para eles, restava como opção o trabalho análogo à escravidão nas fazendas, o subemprego e a informalidade extremamente precária nos centros urbanos ou a criminalidade.
4. Lei n. 581 de 4 de setembro de 1850
Conhecida como Lei Eusébio de Queirós, estabeleceu medidas para a repressão e fim absoluto do tráfico de africanos no Império. Não foi a primeira lei nesse sentido. Em 07 de novembro de 1831, a Regência publica a primeira lei que proíbe o tráfico de africanos para o Brasil, que foi sistematicamente desrespeitada. Em seu artigo primeiro, afirma que "todos os escravos que entrarem em territórios ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres". Apesar disso, não dá a estes o mesmo "status" social dos brancos e acaba criando a figura do "africano livre", que, na realidade, era um escravo do Estado. É importante destacar que essa lei não causou impacto na disponibilidade da mão-de-obra cativa, pois entre 1840 e 1850 entraram no país cerca 500.000 escravos, e as culturas tradicionais (cana-de-açúcar, algodão e tabaco) da região norte do país viviam seu momento de decadência, ocasionando a liberação de escravizados para o centro-sul do país, onde a economia efervescia, gerando um tráfico interprovincial e aumentando o número de escravizados na zona cafeeira e nos centros urbanos do centro-sul.
As pressões externas da Inglaterra, e as internas dos escravizados, forçaram o Império a publicar, dezenove anos depois, uma segunda lei reafirmando aquela de 1831, aprofundando punições e explicitando melhor seus artigos. A Lei Eusébio de Queirós, proíbe o tráfico e estabelece medidas para a repressão deste no Império.
Art. 1º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriaes do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de sete de Novembro de mil oitocentos trinta e hum, ou havendo-os desembarcado, serão apprehendidas pelas Autoridades, ou pelos Navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos.
O artigo 6° é um dos principais fatores da perpetuação do "africano livre" na condição de escravo, além de, também, evidenciar preocupação com o controle demográfico do negro entrante maior do que com o impedimento do crime de importação[5]. Não se admitia a hipótese deste africano ficar no Império na condição de livre, se quisesse, assumindo a cidadania brasileira, portanto seria reexportado imediatamente e enquanto isso não acontecesse, trabalhariam sob a tutela do governo:
Art. 6º Todos os escravos que forem apprehendidos serão reexportados por conta ........ para os portos donde tiverem vindo, ou para qualquer outro ponto fóra do Imperio, que mais conveniente parecer ao Governo; e em quanto essa reexportação se não verificar, serão empregados em trabalho debaixo da tutela do Governo, não sendo em caso algum concedidos os seus serviços a particulares.
5. Lei n. 2.040 de 28 de setembro de 1871
A lei, conhecida como Lei do Ventre Livre e/ou Lei Rio Branco, é estruturante para o processo de transição supostamente "pacífica" da escravidão para o mercado de trabalho livre. Recebeu o título de "Ventre Livre", mas não se resume à libertação dos filhos de mulheres escravizadas, tendo em vista que tratava também de várias ações de libertação parcial, que traduziam a estratégia política da elite latifundiária de dirigir um processo de abolição gradual. O objetivo principal era criar um longo período para a libertação dos escravizados e abrir melhores possibilidades de manobras para os senhores[3].
A lei declarava livre os filhos de mulher escravizada que nascessem desde a data da publicação. Essas crianças permaneceriam sob os cuidados dos senhores, que por sua vez seriam obrigados a cuidar delas e educá-las até o oitavo ano de vida. Depois o proprietário poderia opcionalmente ou receber uma indenização de 600$000 por criança, ou utilizar os serviços do menor até que este complementasse 21 anos. Na prática, contribuiu para aumentar o número de negros formalmente livres, mas que viviam como escravizados.
Outra parte importante do texto dizia respeito ao registro especial de todos os escravizados existentes no Império, e antecipava claramente o projeto em curso muito importante: o controle e a organização do trabalho, depois que a escravidão terminasse.
Art. 8º O Governo mandará proceder á matricula especial de todos os escravos existentes do Imperio, com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se fôr conhecida.
O registro e a classificação dos escravizados permitia maior estabilidade e controle espacial dos escravos libertos[6]. Outra parte do texto legal cria mecanismos de controle, disciplina e organização desse mercado de trabalho livre:
Art. 6º § 5º Em geral, os escravos libertados em virtude desta Lei ficam durante cinco annos sob a inspecção do Governo. Elles são obrigados a contractar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos publicos. Cessará, porém, o constrangimento do trabalho, sempre que o liberto exhibir contracto de serviço.
O contingente de trabalhadores livres que se formava, quer pelos libertos, quer pelos imigrantes europeus, nascia junto com um conjunto jurídico que pretendia controlar esses trabalhadores no mercado de trabalho livre. É no bojo da Lei do Ventre Livre que se inicia uma caça aos "vadios". Esses vadios muitas vezes serão os negros libertos, que sobreviviam de subempregos que não eram vistos como produtivos na sociedade capitalista em ascensão. Resultado de uma omissão deliberada por parte do estado em maneiras de onde alocar o ex-escravizado.
6. Decreto n. 2.827 de 15 de março de 1879
Conhecida como Lei de Locação de Serviços, também chamada de Lei Sinimbu. Deve ser compreendida a partir dos marcos de uma política mais geral implementada para a extinção da escravatura. A Lei de Locação de Serviços é redigida sob a influência da aprovação da Lei do Ventre Livre, já que a legislação que se refere ao trabalhador livre, no caso brasileiro, é diretamente influenciada pela existência da escravidão, bem como pela existência de uma política ordenada para resolver a mesma. Sendo assim, a preocupação antes, com a lei de 11 de outubro de 1837, centrada nos imigrantes, passa a envolver também os libertos e escravos.
Art. 3º Esta Lei é applicavel tanto ao locador nacional como ao estrangeiro.
Dispunha sobre o modo como devia ser feito o contrato de "locação dos serviços", forma como era chamada a contratação de mão obra, aplicados à agricultura. Mais complexo e minucioso que a lei de 1837, compunha-se de 86 artigos, dispostos em sete capítulos. Era dada como possível solução para todas as mazelas acerca da regulamentação do trabalho livre no país. Seu propósito era garantir o controle da mão-de-obra pela elite, garantindo a produção agrícola[6].
O decreto compreendia a locação de serviços propriamente dita, a parceria agrícola e a parceria pecuária, e estabelecia um tempo máximo de duração do contrato: sete anos para os libertos, seis anos para brasileiros, cinco anos para estrangeiros. Percebe-se, mais uma vez, tratamento diferenciado para o imigrante, para o trabalhador nacional, e numa situação desvantajosa, encontravam-se os negros forros, que seguiam a determinação da Lei do Ventre Livre[4].
Art. 10. A locação de serviços propriamente dita será regulada pela disposição dos artigos seguintes:
Art. 11. A duração della, sendo brazileiro o locador, não passará de seis annos, salvo o direito de renovação. [...]
Art. 14. Sendo estrangeiro o locador, o prazo convencional da locação não excederá de cinco annos, salvo expressa renovação. [...]
Art. 16. O prazo da locação de serviços dos libertos é o mesmo determinado pela Lei de 28 de Setembro de 1871.
7. Lei n. 3.270 de 28 de setembro de 1885
Conhecida como Lei dos Sexagenário e/ou Lei Saraiva-Cotegipe, foi a mais completa peça jurídica da transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado. Aos ex- escravizados, libertados, pelo Fundo de Emancipação ou com mais de sessenta anos, não se previu nenhuma espécie de indenização. Esses enfrentaram dificuldades para trabalhar como assalariados e não puderam praticar a cultura de subsistência, pois a legislação de 1850 praticamente eliminava a figura do posseiro. Tinham como opção o trabalho análogo à escravidão nas fazendas, o sub- emprego e a informalidade extremamente precária nos centros urbanos ou a criminalidade.
8. Lei n. 3.353 de 13 de maio de 1888
Chamada Lei Áurea, não apresentou nenhuma consequência prática, tendo em vista, que, com apenas dois artigos, não alterou os efeitos favoráveis e desfavoráveis aos trabalhadores negros das leis de 1871 e 1885, não apresentou alternativas à sobrevivência dos novos cidadãos libertos. Não afetou nem positiva nem negativamente a agricultura, a ponto de a safra crescer neste ano. O seu significado é de caráter político e de coroamento da exclusão ao encerrar qualquer possibilidade de indenização, qualquer perspectiva de trabalho ou acesso a terra, condenando essa população e seus descendentes a uma marginalização que se manteve durante todos os séculos seguintes[5].
9. Decreto n. 528 de 28 de junho de 1890
Já no início da República, o decreto 528, regulariza o serviço de introdução de imigrantes no país. Em seu primeiro artigo deixa explícito o papel do imigrante nessa nação, e também, qual o tipo de imigrante que não era desejado, com um viés abertamente racista:
Art. 1º E' inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos individuos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos á acção criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da Asia, ou da Africa que sómente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admittidos de accordo com as condições que forem então estipuladas.
Essa é uma evidência de como o Estado brasileiro instituiu explicitamente uma política de ingresso migratório discriminatória, instituindo um tipo de imigrante ideal e os imigrantes indesejáveis, sendo o negro um de seus alvos.
Considerações Finais
Diante do exposto, faz-se necessária a compreensão de que a abolição e a transição de um modo de produção para outro, não foram questões isoladas ou independentes, ambas compuseram uma estratégia política mais globalizante. Tanto a abolição como a transição para o trabalho livre são processos que estão inseridos na preocupação das elites em controlar e organizar o mercado de trabalho livre. E o estudo dessas leis, em conjunto com os debates em torno de suas aprovações, demonstra que o processo de encaminhamento da abolição e o modo de ação para a reorganização do trabalho vinham sendo pensados conjuntamente.
A abolição aconteceu tão lentamente e tão gradualmente quanto possível, não apenas para controlar o mercado de trabalho livre que surgia, mas também, o próprio ex-escravizado nesse novo sistema de produção. Além do mais, era necessário construir uma transição pacífica e gradual para impedir que o sistema produtivo sofresse alguma disrupção.
A partir da análise dessas leis, busca-se compreender a gênese do que viria a ser a política de embranquecimento. Entende-se que é através do aparelho jurídico desenvolvido para garantir a transição gradual e pacífica para a mão-de-obra livre, também garantiam paulatinamente a exclusão dos negros dos postos de trabalho, privilegiando os trabalhadores brancos. A análise das leis mostra o tratamento diferenciado para escravizados, libertos e imigrantes no que diz respeito ao controle sobre o acesso à terra e o controle do trabalho livre através dos contratos de locação de serviços.
O processo de organização do mercado de trabalho refletiu também na legislação das províncias, com a mesma política excludente. É na análise das leis provinciais que fica claro o papel de São Paulo nesse processo de transição, pois são os fazendeiros paulistas que conseguem desencadear uma corrente de imigração subvencionada que o Império jamais conhecera. A história da Hospedaria dos Imigrantes do Brás se insere nesse contexto, e será objeto de publicações futuras. Uma vez que, sabendo que a Hospedaria de Imigrantes do Brás e a Grande Imigração inserem-se numa lógica nacional, é necessário que o Museu, enquanto instituição assuma o compromisso com a construção de uma memória que não invisibilize populações.
Referências
[1] Esta pesquisa contou com a supervisão de Thiago Haruo Santos (Museu da Imigração) e Letícia Gregorio Canelas (Departamento de História - USP).
[2] Essa lei, regulamentou os contratos de trabalho, bem como propostas formuladas a possíveis imigrantes quando ainda no exterior. É uma lei muito simples, referindo sobretudo a contratos de trabalho por um período de tempo prefixado, ou ainda a contratos, onde ocorressem adiantamentos de salários para empregados. Estabelecia ainda as condições gerais do contrato, sua transferência e os constrangimentos que gravavam preponderantemente o prestador de serviços, poucas obrigações eram reservadas ao contratador do trabalho. De fato, essa lei não pode ser considerada como tendo sido adequada à atração de imigrantes, ou mesmo capaz de organizar, minimamente, o mercado de trabalho livre. Isso porque, foi aprovada num momento em que, o tráfico africano de escravos estava dando conta plenamente das necessidades de mão-de-obra e, entre os anos 1820 e 1829 apenas 9.105 imigrantes entraram no Brasil. Vale destacar que, em seu artigo 7° explicitava: "o contracto mantido pela presente Lei não poderá celebrar-se, debaixo de qualquer pretexto que seja, com os africanos barbaros, á excepção daquelles, que actualmente existem no Brazil".
[3] GEBARA, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil (1871-1888). São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
[4] DOMINGUES, Petrônio José. Uma história não contada: negro, racismo e trabalho no Pós-Abolição (1889-1930). 2001. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
[5] RAMATIS, Jacino. O trabalho negro livre em São Paulo 1872-1890. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
[6] LAMOUNIER, Maria Lúcia. Da escravidão ao trabalho livre: a lei de locação de serviços de 1879. Campinas: Papirus, 1988.