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Mulheres e Migração no Acervo Digital do MI
Entre os diversos tipos de documentos existentes no Acervo Digital do Museu da Imigração, sem dúvida os mais acessados pelo público são os registros de matrículas na Hospedaria de Imigrantes do Bom Retiro (1882-1887) e Hospedaria de Imigrantes do Brás (a partir de 1887). Esse interesse não tem, necessariamente, relação com a natureza do registro.
Nesse caso, o que conta bastante é a indexação de boa parte das matrículas. Ou seja, além da digitalização, esses documentos passaram por um processo de transcrição e, consequentemente, tornaram-se mais acessíveis e pesquisáveis. Para muitas pessoas, as matrículas são o ponto de partida para um melhor aprofundamento nas suas pesquisas genealógicas; já, para outras, são fontes fundamentais no desenvolvimento de estudos acadêmicos, por exemplo.
Apesar desses registros estarem transcritos, isso não significa que não suscitem dúvidas naqueles que os observam ou analisam. As questões vão desde como realizar uma pesquisa mais eficiente – como encontrar dados sobre um antepassado – até o próprio conteúdo do documento. Uma das atividades cotidianas da equipe de pesquisa do museu é, justamente, auxiliar os interessados e realizar certos tipos de buscas no Acervo Digital.
Seja por e-mail ou pessoalmente (quando o Centro de Preservação, Pesquisa e Referência ainda não havia fechado em razão da pandemia), uma das primeiras perguntas que fazemos a quem nos procura é: "Quem é o chefe da família?". "Chefe" da família significa, na maioria dos casos, o homem mais velho em idade apta a trabalhar. Nossa abordagem inicial visa entender quais informações o consulente possui, interpretá-las e identificar o possível "chefe". Mesmo que a pessoa nos advirta que está interessada em descobrir mais dados sobre uma ancestral mulher, insistimos em tentar constatar quem pode ser o homem acompanhante dela (marido, filho, pai, tio, entre outros).
Especialmente nas primeiras décadas de funcionamento, o perfil dos imigrantes acolhidos na Hospedaria de Imigrantes do Brás era de famílias que tinham como destino o interior do estado de São Paulo. Evidentemente existem algumas exceções, mas essas características eram bem mais comuns. O Governo Paulista, inclusive, incentivava a migração de famílias por meio da política de subsídios. Esses migrantes passavam pela Hospedaria, eram matriculados e, depois, encaminhados para os seus respectivos destinos. Essas famílias quase sempre eram registradas pelos escriturários da instituição em relação ao mencionado "chefe". Em termos práticos, isso significa que apenas esse chefe era registrado com o nome completo, assim como outros eventuais detalhes contidos no documento também diziam respeito a ele. Vejamos alguns exemplos transcritos.

Pode-se dizer que esse é um caso clássico de matrícula na Hospedaria de Imigrantes do Brás no século XIX. Temos uma família italiana constituída por cinco membros, o casal Angelo e Rosa com os filhos Adele, Vittorio e Olga. Apenas Angelo, o homem mais velho, foi registrado com o nome completo. Se algum descendente dessa família só tivesse dados sobre a Rosa ou um dos filhos e não soubesse quem era Angelo, certamente teria muitas dificuldades em encontrar o documento. É raro, para esse período, localizarmos matrículas que identifiquem os nomes de solteira de mulheres que viajavam com os seus maridos.

No segundo exemplo, relativo a uma família japonesa que migrou no Kasato Maru em 1908, novamente não há menção ao sobrenome da esposa. Além disso, as informações como lugar, data de nascimento, filiação e local de residência se referem somente ao "chefe", marido de Mase. Esses detalhes importantes não eram anotados para os outros membros da família.
Essa prática nos registros não era apenas algo restrito ao século XIX ou início do século XX. Os exemplos de matrículas abaixo (das décadas de 1920 e 1950) confirmam isso.


Esses casos, dedicados a uma das documentações mais acessadas pelo público em geral, ilustram os obstáculos existentes para aqueles que querem encontrar, em todos os sentidos, histórias de mulheres migrantes. É preciso compreender, portanto, as várias lacunas existentes e tentar identificar vestígios de ações invisibilizadas.
No que diz respeito aos Requerimentos SACOP (Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas), encontramos também um número baixíssimo de mulheres responsáveis pela solicitação de devolução de dinheiro gasto com passagens. De maneira geral, elas aparecem somente como integrantes da família e acompanhantes do marido. De todo modo, há exceções. A iugoslava Bárbara Beck (imagem 5) teve o pedido de restituição negado. O processo não informa se ela era viúva ou não, algo citado no requerimento da portuguesa Emilia Augusta Ferreira (imagens 6 e 7):



Apesar das dificuldades, é possível explorar o Acervo Digital do MI, encontrar as mulheres e, a partir dessas informações, descobrir mais sobre as suas histórias.