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O bolo de fubá e a tradição das festas juninas em São Paulo

Uma das festas populares mais conhecidas e difundias por todo o território brasileiro é a chamada Festa Junina. Falar de sua origem, suas adaptações e sua difusão é remeter a várias culturas diferentes e à circulação de pessoas ao longo do tempo e ao redor do mundo.
O nome pelo qual é tão famosa, “Festa Junina”, pode ser associado tanto ao seu santo padroeiro, João - uma corruptela do adjetivo “joanina” - quanto ao mês típico de suas comemorações. Atualmente, o período é tão apreciado que as festividades muitas vezes extrapolam as datas originais e as comemorações podem ir do início de junho até o mês de julho.
Essas mudanças, adaptações a apropriações fazem parte da história da maioria das festas populares. Além da apropriação das culturas europeias, a festa junina apresenta ainda elementos das culturas indígenas. Ao longo do tempo, as celebrações receberam diversas influências, vindas de toda a composição cultural da nossa população. No Brasil, cada região apresenta suas particularidades na maneira de comemorar as festas juninas.
Em São Paulo, por exemplo, a música, as roupas e as danças, tais como conhecemos hoje, refletem essas múltiplas influências, com um destaque especial para o imaginário do caipira ou do matuto. Na culinária, a presença desses símbolos é também muito perceptível, repleta de ingredientes típicos, que já faziam parte da alimentação dos povos indígenas antes da colonização europeia, como o milho, o amendoim, a batata doce e a mandioca.
A relação entre comida e influências culturais é um tema muito caro ao Museu da Imigração. Nossa exposição temporária “Migrações à mesa”, atualmente em cartaz, apresenta uma série de cadernos de receitas de diversas origens, que foram cuidadosamente analisados antes de entrarem em exibição. Entre as preparações que mais estão presentes nesses cadernos, encontra-se o bolo de fubá.

Quase todos os cadernos expostos têm sua versão da receita, e não raro aparecem mais de uma vez. As versões “cremoso”, “baiano”, ou outras preparações parecidas, como broa ou queijadinha de fubá são índices de sua popularidade e das diversas adaptações pelas quais passou em cada família e dentro de cada casa.

O coco, por exemplo, é incluído em várias receitas, como no bolo da espanhola Benilde, que levava esse ingrediente além da essencial “ariña de fubá”. O leite de coco também era uma opção que o deixava mais saboroso, assim como o queijo parmesão, presente no caso da receite de Joana, imigrante italiana. A erva doce é outro elemento que aparece algumas vezes: Olga, brasileira de origem libanesa, citava o ingrediente em sua receita, mas a quantidade não estava descrita – provavelmente, tinha uma quantia que gostava e que devia ser medida a olho. Já a descendente de japoneses Teruko explicava “1 colher” da erva seria suficiente para seu “manuê”, nome dado a bolos típicos nordestinos. As quantias variam, de acordo com o gosto e com o tamanho da família; são medidas às vezes em xícaras, às vezes em gramas ou mesmo nos famigerados copos de requeijão. “Um prato” de fubá mimoso é uma das formas de medir apresentadas nos cadernos de Heloísa, oriunda de uma família tradicional paulista.


Assim como as festividades populares, a comida carrega consigo memórias, relações com o passado, laços com locais ou pessoas queridas. Esses vínculos simbólicos e sociais em torno de atividades coletivas também estão presentes nos gostos e no próprio paladar. Certas comidas têm gosto de infância, outras de casa de avó, outras de uma época do ano específica.
O bolo de fubá certamente reúne muitas dessas memórias. O fubá, seu principal ingrediente, é o responsável por essa série de rememorações, pois é um alimento muito presente na cozinha caipira, que se valeu originalmente da experiência de indígenas e de portugueses e que compôs, posteriormente, a mesa de outros grupos de imigrantes, mesclando-se com suas próprias tradições culinárias. Talvez seja por isso que o bolo de fubá está presente em tantos cadernos de receitas Brasil afora, não importando a origem ou nacionalidade de seus donos, sendo preparado tanto nas comemorações das festas juninas, quanto nos cafés de fim de tarde – acompanhado por chá, café e muito afeto.
