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Hospedaria de Histórias: Hospedaria do Brás, lugar de chegada e partida
Em abril de 1906 a Hospedaria de Imigrantes do Brás acolheu uma família espanhola formada pelo casal José Tardio Villalba, Maria Gil e seus filhos Dolores (5 anos) e José (1 ano).
Três anos depois, mais precisamente em outubro de 1909, Maria Gil e seu filho José são matriculados novamente na Hospedaria. Maria estava viúva e aguardava, no edifício, sua repatriação para a Espanha.

A acolhida na Hospedaria de Imigrantes não era, portanto, exclusiva àqueles que chegavam ao Brasil, mas também recebia quem iria partir, sob certas condições.
Tais casos não eram absolutamente incomuns. Uma carta de abril de 1899, por exemplo, cita que Annunciata “Besagli” faleceu na Hospedaria enquanto aguardava sua repatriação; outro documento, de junho do mesmo ano, cita que um dos imigrantes que iria ser repatriado teve que ser expulso do edifício por “fomentar desordens entre seus companheiros”. Para 1898 há um registro que indica que algumas famílias desistiram da repatriação e diversas matrículas, principalmente do começo do século XX, que indicam os repatriados.
Mas por que e sob quais condições alguém poderia solicitar a repatriação?
Para responder tais questões recorremos ao Decreto N. 463 de 19 de julho de 1897 que “dá instruccões para execução da lei que auctoriza a repatriação de immmigrantes à custa do Estado”.
Os imigrantes habilitados a solicitarem tal benefício podem ser divididos em quatro grupos:
- As viúvas e órfãos vindos para o estado de São Paulo subsidiados pelo governo estadual ou pela União, que estivessem trabalhando na lavoura e não pudessem se sustentar adequadamente. O óbito deveria ocorrer até um ano após o estabelecimento no estado.
- Imigrantes que, no primeiro ano de estabelecimento, sofressem acidente ou contraíssem enfermidades que os impedissem de prover o próprio sustento.
- Imigrantes nas condições citadas acima, porém introduzidos pelo Estado nas indústrias. Só teriam direito àqueles que trabalhassem na mesma fábrica ou oficina a que tinham sido destinados primeiramente.
- Sob os mesmos requisitos anteriores, os imigrantes espontâneos, ou seja, quem tinha pago a própria passagem, sendo que para esses o prazo era de dois anos.
O requerimento de repatriação deveria ser feito ao Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, por intermédio da Inspetoria de Terras, Colonização e Imigração, com os seguintes documentos, dependendo da situação:
- Nome, idade e naturalidade do requerente e de todos os membros da família que desejassem o benefício.
- Motivo para solicitarem a repatriação.
- A localidade de destino.
- Data da chegada ao estado de São Paulo.
- Nome e nacionalidade do vapor que viajaram ao Brasil.
- Se migraram subsidiados ou espontaneamente.
- Passaporte ou atestado de identidade emitido pelo cônsul existente na cidade de São Paulo.
- Certidão de óbito do marido ou pai.
- Atestado de localização efetiva na lavoura e de permanência nela até a data da ocorrência, que lhes der direito à repatriação, passado pelo proprietário ou administrador da fazenda, onde tenham estado até a referida data, e visado pelo presidente da câmara municipal, intendente ou autoridade policial da situação da mesma fazenda, com firmas reconhecidas por tabelião.
- Atestado da autoridade policial do lugar da última residência dos pretendentes, provando a falta de meios para a sua subsistência.
- Atestado médico provando sofrer o requerente de moléstia ou defeito físico adquirido no trabalho, tornando-o incapaz de exercer sua profissão.
Em alguns casos, quando o governa julgasse necessário, os requerentes poderiam passar por uma avaliação do médico da Hospedaria de Imigrantes do Brás.
Os valores concedidos para a repatriação eram os seguintes:
- 100 contos de réis quando a família fosse composta por três membros ou menos.
- 150 contos de réis para famílias entre três e cinco membros.
- 200 contos de réis para famílias com mais de 5 membros.
As matrículas presentes em nosso acervo mostram, a princípio, que a maior parte dos casos de solicitação de repatriação envolvem a viuvez. O registro apresentado no começo do texto é um exemplo. Apesar disso, essa repatriação ocorrera somente três anos depois da chegada da família ao Brasil, o que pode nos suscitar algumas questões, já que contraria o prazo determinado na lei:
- A lei era flexibilizada na prática?
- A família solicitou a repatriação no prazo adequado, porém o processo de autorização era demorado (2 anos)?
Continuaremos pesquisando!