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Quem entra no Brasil? - Um balanço das séries do Blog do CPPR em 2020
No último artigo de 2020, realizaremos uma retrospectiva das séries de textos produzidas pela equipe de pesquisa do Museu da Imigração neste ano atípico. Com a instituição fechada por longos meses devido à pandemia do novo Coronavírus, foram necessárias novas estratégias de produção e comunicação de conteúdo para continuarmos perto do nosso público, propondo reflexões que aproximassem a temática do Museu com o atual momento vivenciado por tantas pessoas ao redor do mundo. Ainda no primeiro semestre, no início da quarentena, foram lançadas duas séries: "Hospedaria em Quarentena" e "Mobilidade Humana e Coronavírus".
Com o objetivo de tratar das relações entre a Hospedaria de Imigrantes do Brás e a história da saúde pública em São Paulo, o projeto "Hospedaria em Quarentena" foi iniciado em março de 2020, a partir da nossa exposição de longa duração "Migrar: experiências, memórias e identidades" para refletir sobre o porquê da existência de inúmeros objetos médicos em uma parte da curadoria que trata do cotidiano da Hospedaria. O vínculo entre epidemias e a história desse espaço se mostrou presente desde a sua abertura, ocorrida extraoficialmente por causa de uma grave epidemia de varíola na Hospedaria do Bom Retiro, em junho de 1887.
A própria localização da Hospedaria tem uma relação com as epidemias. Foi construída no entroncamento das duas principais ferrovias do estado de São Paulo (Estrada de Ferro Central do Brasil e São Paulo Railway) e afastada da cidade, portanto. A capital paulista se expandiu rapidamente e os bairros do Brás e da Mooca, mais próximos da Hospedaria, foram completamente habitados. Entretanto, a ideia inicial era fazer com que os imigrantes não tivessem contato com a cidade, sendo que um dos motivos para isso era, justamente, o medo da proliferação de doenças infectocontagiosas.
"Hospedaria em Quarentena" teve inúmeros textos publicados, abordando os vários momentos epidêmicos da cidade de São Paulo e suas relações com o contexto migratório, bem como com o cotidiano da Hospedaria, os seus diversos atores (migrantes, médicos, enfermeiros, dirigentes, entre outros) e as representações desses acontecimentos encontradas no acervo do Museu da Imigração. Finalizada em outubro, a série contou com a participação do Arsenal da Esperança, instituição com a qual o MI divide o complexo da antiga Hospedaria, para narrar as experiências e ações tomadas pela casa de acolhida durante a pandemia.
A série "Mobilidade Humana e Coronavírus", também lançada em março de 2020, teve a finalidade de trazer um recorte mais contemporâneo da situação, dentro do debate das migrações atuais. Partindo do pressuposto de que a mobilidade humana é um direito, ainda que muitas vezes dificultado por inúmeros fatores, a pandemia impôs novas dinâmicas para os deslocamentos, que sofreram uma rápida transformação em um curto período de tempo.
Saúde pública, racismo, xenofobia, desigualdade social, saúde global e outras dificuldades sofridas por aqueles que não se encontram em seu país de origem foram algumas das problemáticas exploradas nesse projeto, a partir de análises de pesquisadores e depoimentos de migrantes. Frente aos desafios urgentes que a pandemia nos impõe, buscamos contribuir para a compreensão do mundo que nos cerca, propondo que imaginemos juntos o que será da mobilidade humana a partir desse marcante momento da história da humanidade. A série continua ativa, contando com ocupações de textos de outros parceiros do Museu da Imigração, comprovando o alcance e a relevância dos debates propostos.
Em julho desse ano, mais uma série foi lançada: "Brasileiros na Hospedaria". Questionando a ideia do migrante internacional como protagonista da história da Hospedaria do Brás, teve como objetivo evidenciar que a instituição recebeu também brasileiros em diferentes contextos, épocas e situações. Em uma live, transmitida e disponível no perfil do Museu da Imigração no Instagram, o historiador Odair da Cruz Paiva, um dos primeiros acadêmicos a se debruçar sobre a documentação da Hospedaria, afirmou que cerca de 1,9 milhões de brasileiros passaram pelo edifício. Isso significa que o Brasil é, de longe, o país com o maior número de matrículas, superando inclusive a soma de todas as outras nacionalidades (cerca de 1,6 milhões de estrangeiros).
Nos textos compartilhados na série em questão, buscamos refletir sobre essas lacunas e aprofundar nosso conhecimento acerca do assunto para compreender a história desses movimentos tão significativos na cidade de São Paulo, trazendo temáticas transversais, como questões de gênero, xenofobia, desigualdades sociais e políticas públicas. A temática foi encerrada no final de outubro com a participação da Professora Doutora Lidiane Maciel, convidada especialista no tema das migrações nacionais.
Em agosto, iniciamos ainda mais uma série, "Colecionando Histórias Orais", visando explorar mais um pouco nosso acervo e seus pontos de contato com o momento atual. O Museu da Imigração possui, de acordo com a sua última catalogação, um acervo de História Oral com 577 entrevistas de migrantes das mais diversas nacionalidades. Dessas, 480 foram coletadas pela antiga gestão da instituição e 97 pela atual. No espaço do Museu, sua utilização é uma importante ferramenta na construção de narrativas e nos ajuda a responder às demandas atuais, ainda que muitas vezes estejamos lidando com eventos do passado. É uma forma possível de alcançar uma representatividade muito maior do que a que possuímos em nossa coleção museológica.
No decorrer dos artigos, apresentamos os projetos realizados pela atual gestão do Museu da Imigração e discutimos um pouco sobre as temáticas exploradas nas entrevistas, como participação política, luta por direitos, feminismo, arte e cultura, sendo finalizada no mês de outubro.
Por fim, "Quem entra no Brasil?" foi o último projeto desenvolvido em 2020 (entre outubro e dezembro) e teve o intuito de discutir como se deu a entrada de migrantes nacionais e internacionais no país ao longo do tempo – mais especificamente desde o contexto de inauguração da antiga Hospedaria de Imigrantes do Brás até a atualidade – e desconstruir a ideia geral de que esse processo acontecia de forma livre e natural. Nos textos, apresentamos questões históricas em torno dos perfis de migrantes desejados e indesejados e como isso repercute até os dias de hoje, tanto pela perspectiva do imaginário quanto dos entraves legais para a permanência dos mesmos no país.
A existência do conceito de migração desejável e indesejável permeou toda a história dos processos migratórios no país, variando de acordo com projetos de nação específicos de cada período e suas propostas de governo. A história da Hospedaria do Brás é um ponto exemplar dessas transformações e é com ele que iniciamos nossas reflexões, que se desenrolaram em conteúdos também sobre questões envolvendo habitação, participação social, políticas públicas, racismo, entre outros.
Todos os projetos foram extremamente importantes, pois, em maior ou menor grau, contemplaram uma temática fundamental que marcou o trabalho de pesquisa das diversas equipes da instituição nesse ano: as histórias invisibilizadas em torno da Hospedaria do Brás e do Museu da Imigração. Buscamos aproveitar esse momento tão delicado e triste, vivenciado por tantas pessoas ao redor do mundo, para refletir sobre a necessidade de enfrentar assuntos, até então, somente tangenciados pelos nossos trabalhos, buscando compreender o fenômeno migratório enquanto política de Estado, suas implicações em subjetividades e dinâmicas sociais atuais e suas complexidades com relação aos seus mais diferentes atores.
Em 2021, iniciaremos o ano com uma nova série, que demonstra nosso compromisso em continuar tais reflexões. Será a vez de "Mulheres e migração". Continue acompanhando!