Blog
Compartilhe
"Temos que aprender todo dia um pouco, pois o cotidiano é um aprendizado"
Entrevista de Daniel Perseguim com Diana Soliz.
"Sou a primeira imigrante no Brasil que conseguiu se sindicalizar. Dá uma autoridade e uma força pra mostrar pra elas que elas podem chegar onde eu cheguei e, quem sabe, mais pra lá, quem sabe uma deputada ou senadora, por que não?" Diana Soliz
Conexão Migrante – Para quem não conhece a primeira trabalhadora doméstica sindicalizada no país, quem é você?
Diana Soliz – Sou Diana Soliz Soria Garcia. Atualmente estou trabalhando como diretora sindical, como diretora imigrante e indígena. Eu cheguei ao Brasil há 24 anos para trabalhar como doméstica. Eu trabalhava como babá em uma casa de bolivianos que trabalhavam com costura e minha irmã também trabalhava como cozinheira. Quando saí de lá fui trabalhar em outras casas, como doméstica também, até que em 2014 eu tive problemas com minha patroa. Sou imigrante, e por isso eu não sabia que tinha direito à carteira registrada, às leis do Brasil que qualquer trabalhadora tem direito. Só que eu precisei fazer uma cirurgia para a troca de bateria do meu marca-passo, e os médicos disseram que eu tinha que ficar em repouso por 2 meses. Mas a patroa não aceitou e não quis me pagar, apesar da licença médica. Foi então que comecei a correr atrás dos meus direitos e falei que iria atrás da justiça. Ela ainda me pressionou dizendo que eu não teria direitos por ser imigrante. Eu fui a vários lugares até que encontrei o sindicato, onde eles me orientaram bem. Me disseram que eu tinha direitos e ela foi convocada ao sindicato para conversar e propor um acordo. A patroa não quis entrar em contato com o Sindicato e eu fui levada a entrar com o processo, que eu felizmente ganhei. O juiz a obrigou a assinar minha carteira referente a 6 anos de trabalho. Foi assim que comecei a entrar em contato com o sindicato, ir a reuniões, até que um dia, em 2017, me convidaram para ser diretora do sindicato, depois diretora imigrante. Sigo lutando no sindicato pelas imigrantes e pelas brasileiras também.
CM - Em um momento de tantas tristezas, de onde é possível extrair esperança e trazer uma “psicologia positiva”?
DS – Nossa história de quase cem anos de luta nos mostra que só através da colaboração organizada, como na experiência dos sindicatos, que a categoria das trabalhadoras domésticas pode conquistar seus direitos. Nada foi dado a nós. Nada foi dado como um presente. Tudo o que conquistamos foi resultado de muita luta organizada. Ao longo desses anos, quase cem anos de lutas, nós, trabalhadoras domésticas, conquistamos direitos importantes que trouxeram maior dignidade para as mulheres trabalhadoras de nossa categoria. No caso de São Paulo, além das leis federais (como a Emenda Constitucional Nº72, de 2013 – que estabelece a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais), também temos a nossa convenção coletiva, que oferece às trabalhadoras domésticas do Município de São Paulo melhores condições. Eu faço parte do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo (STDM-SP), e daí passei a ter experiências em vários eventos, como em uma federação nacional – a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) –, além de federações internacionais. O sindicato abriga uma lista enorme de trabalhadores que abrange Acompanhante de Idosos, Arrumadeira, Assistente Doméstico, Assistente Pessoal, Babá, Caseiro, Cozinheira, Cuidador de Criança, Dama de Companhia, Empregada Doméstica, Enfermeira, Faxineira, Garçom, Governanta, Jardineiro, Lavadeira, Marinheiro, Moço de Convés, Mordomo, Motorista, Passadeira, Piloto e Vigias.
Por isso eu incentivo a sindicalização como o único meio para a garantia de direitos, tanto das trabalhadoras brasileiras quanto das imigrantes.
Seria muito bonito ver outras imigrantes sindicalizadas. Eu sou a primeira imigrante no Brasil sindicalizada no setor das domésticas. Seria tão bom ter outras, e em outros setores de imigrantes também, não somente domésticas.
Em 2014 ganhava 400 reais, menos de um salário mínimo. Fui descobrindo tudo aos poucos no sindicato. Comecei a participar nas reuniões e assembleias até que me convidaram a ser diretora. Fiquei muito feliz de aprender coisas que não sabia e que ensinava a outras domésticas, senhoras e trabalhadoras.
Eu não estou trabalhando atualmente como doméstica porque tenho a saúde debilitada, mas estou no sindicato no dia-a-dia, para dizer que elas têm direitos.
Agora, com a nova lei de migração, qualquer migrante pode se sindicalizar, sim. Tanto que sou a primeira imigrante no Brasil que conseguiu se sindicalizar. Dá uma autoridade e uma força pra mostrar pra elas que elas podem chegar onde eu cheguei, e quem sabe mais pra lá, quem sabe uma deputada ou senadora, por que não?
Temos que aprender todo o dia um pouco, pois o cotidiano é um aprendizado, e tudo isso guardo pra mim, pra ensinar as colegas.
Fazemos reunião uma vez ao mês no último domingo com mulheres imigrantes ou brasileiras. E não há divisão, somos todas iguais. Às vezes tem brasileiras, eu senti isso, que falam que as imigrantes vêm tirar o emprego das brasileiras. Não. Ninguém tira o trabalho de ninguém.
Às vezes já chorei, e agora também, ao escutar, choramos. Viramos psicóloga. Pois não podemos resolver o problema diretamente, mas é um ombro amigo para desabafar. É muito bom escutar as pessoas.
CM – Já que você abordou a sindicalização como uma forma de engajamento da mulher migrante e também brasileira, pode citar algumas questões que são mais importantes para a trabalhadora doméstica?
DS – Nosso principal obstáculo e também nosso principal objetivo de luta continua sendo a questão da carteira assinada. Essa é uma luta histórica das trabalhadoras. Nós precisamos lutar para que todas as trabalhadoras domésticas sejam registradas, independentemente de serem imigrantes ou não, garantindo com isso todos os direitos até hoje conquistados. Nossa categoria apresenta atualmente dois problemas. O primeiro é o próprio governo Bolsonaro, que representa um perigo aos direitos conquistados pela própria classe trabalhadora. O segundo é a pandemia. As políticas de isolamento social afetaram especialmente as trabalhadoras domésticas. E nós do sindicato observamos um grande número de demissões, por exemplo. Contudo, são as trabalhadoras domésticas em função de diaristas que sofrem mais. Que não tinham carteira e perderam seus empregos.
Muitas que não têm condições nenhuma de subsistência. Tanto que o nosso sindicato iniciou a entrega de cestas-básicas.
Assim, lutamos para que as diaristas tenham direitos reconhecidos como o das trabalhadoras domésticas mensais. Nós do sindicato defendemos que uma diarista é uma trabalhadora doméstica na função de diarista, por isso todos os direitos devem ser equiparados ao da categoria. Por fim, lutamos para que as relações entre patrões e trabalhadores sejam mais justas, para que os patrões não possam mais prejudicar as trabalhadoras domésticas.
----------------------
Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo (S.T.D.M.S.P.)
Rua Margarida, 298 – Barra Funda, São Paulo
Telefone: + 55 11 3826-0651
https://www.facebook.com/TrabalhadorasDomesticasSP/
----------------------
Diana Soliz é a primeira imigrante a se sindicalizar e ser diretora em um sindicato no Brasil. É diretora do Departamento Migrante/Indígena do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo (STDMSP).
Os artigos publicados na série Mobilidade Humana e Coronavírus não traduzem necessariamente a opinião do Museu da Imigração do Estado de São Paulo. A disponibilização de textos autorais faz parte do nosso comprometimento com a abertura ao debate e a construção de diálogos referentes ao fenômeno migratório na contemporaneidade.
Foto da chamada: Acervo Pessoal. | Conta com tarja preta, no canto inferior esquerdo, escrito Ocupação "Conexão Migrante" em branco.
A ocupação "Conexão Migrante" é uma iniciativa que surgiu da parceria entre Museu da Imigração e Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), para divulgação dos artigos publicados na edição 29 da revista "Conexão Migrante" (disponível neste link). Dando continuidade à proposta desenvolvida na série "Mobilidade Humana e Coronavírus", seguiremos debatendo e refletindo sobre os impactos da pandemia para as migrações e demais mobilidades.