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Brasileiros na Hospedaria: Uma maioria negligenciada
Quem foi acolhido na Hospedaria de Imigrantes do Brás?
Hospedaria de Imigrantes, Memorial do Imigrante e Museu da Imigração. Os termos que representam a história do edifício, seja na sua concepção ou na sua transformação como espaço de memória, nos remetem à imigração, ou seja, às pessoas de fora – os estrangeiros. No Centro de Preservação, Pesquisa e Referência (CPPR) do Museu, ou mesmo durante as visitas de grupos escolares, é recorrente ouvirmos reflexões acerca das palavras emigrante, imigrante e migrante, sendo essa última mais identificada com o migrante nacional e as outras duas com os migrantes internacionais (essas são, aliás expressões mais utilizadas atualmente para caracterizar as pessoas que migram). De qualquer forma, é natural o público associar a acolhida na Hospedaria de Imigrantes, exclusivamente, aos cidadãos provenientes do exterior.
O intuito dessa nova série é evidenciar o contrário e mostrar que a Hospedaria recebeu também brasileiros em diferentes contextos, épocas e situações. Em uma live, transmitida e disponível na página do Instagram do Museu da Imigração, o historiador Odair da Cruz Paiva, um dos primeiros acadêmicos a se debruçar sobre a documentação da Hospedaria, afirmou que cerca de 1,9 milhões de brasileiros passaram pelo edifício. Isso significa que o Brasil é, de longe, o país com o maior número de matrículas, superando inclusive a soma de todas as outras nacionalidades, cerca de 1,6 milhões de estrangeiros. Durante a curadoria da exposição temporária Hospedaria 130, inaugurada em 2017, a equipe de pesquisa da instituição constatou números semelhantes nas buscas pela documentação da Hospedaria.
A surpresa que essa informação pode suscitar revela uma lacuna nos estudos sobre a história da Hospedaria do Brás e, também, um desconhecimento acerca das migrações internas em nosso país. Em 1884, ainda na Hospedaria do Bom Retiro, havia registros de algumas famílias provenientes do Ceará. As matrículas de brasileiros aumentaram a partir da década de 1920 e se tornam maioria na década de 1930, em razão não só do recrudescimento da entrada de estrangeiros no país, mas de contextos próprios em algumas regiões, especialmente no Nordeste, bem como o incentivo governamental para que esses fluxos ocorressem. Durante a Segunda Guerra Mundial e alguns anos depois, quando a Hospedaria foi transformada em Escola Técnica da Aviação e cedida para a Aeronáutica, essa recepção de brasileiros em São Paulo não foi registrada como antes, mas com a reabertura da Hospedaria foi possível visualizar novamente essas matrículas. As décadas de 1950, 1960 e 1970 representam, em aspectos quantitativos, o principal período para as migrações nacionais no estado e na cidade de São Paulo.
É importante ressaltar duas questões: apesar de existir uma referência maior aos migrantes nordestinos, pessoas de todas as regiões do Brasil foram matriculadas na Hospedaria. Além disso, o edifício atuou na acolhida de brasileiros que já viviam em São Paulo; ou seja, a Hospedaria teve um papel fundamental em diversos aspectos do que entendemos como recepção. Local de acolhimento, refúgio, espera, abrigo e proteção.
A nova série "Brasileiros na Hospedaria" procurará refletir sobre esses temas, para melhor compreender a história desses movimentos tão significativos para São Paulo, e discutir questões relacionadas ao entendimento dessas migrações. Infelizmente, ainda é recorrente observarmos atitudes e expressões preconceituosas em relação às pessoas provenientes de alguns estados do Brasil e a utilização de termos como invasão para se referir às entradas de nacionais no território paulista; é preciso discutir sobre isso.
Acompanhe a nova série do Museu da Imigração e descubra mais sobre essa história!
Foto da chamada: migrantes que chegaram da Bahia.