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Arte migrante: 11 artistas e 11 obras em 2022 - Candido Portinari
Por Thaíla Mateus da Silva
Você já se perguntou por que a Semana de Arte Moderna e os modernismos seguem sendo debatidos até hoje? E, mais que isso, por que algumas obras continuam sendo tão marcantes e atuais?
No artigo de hoje, analisaremos "Retirantes", do artista plástico brasileiro Cândido Portinari. A pintura faz parte de uma série composta por três quadros: Retirantes, Criança Morta e Enterro na Rede. Todas fazem parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e podem ser visitadas no salão da exposição de longa duração. Para mais informações sobre a trilogia, acesse!
O Artista
Cândido Portinari nasceu em Brodowsky, interior de São Paulo, em uma família de imigrantes italianos. Artista engajado politicamente e instruído por escolas de arte na Itália e na França, retornou ao Rio de Janeiro embebido nas ideias e influências modernistas europeias. O autor foi testemunha das mudanças econômicas, políticas e sociais pelas quais o Brasil passava durante a primeira metade do século XX, implementadas pelo Governo Vargas[2].
O cenário das migrações, nesse período, apresentava números reduzidos na chegada de migrantes internacionais, especialmente motivados pelas políticas restritivas impostas no Estado Novo, enquanto as migrações nacionais – principalmente de nordestinos – marcava a maioria dos deslocamentos. Nesse sentido, "Retirantes" (1944) é uma representação das trajetórias de milhares de famílias nordestinas migrantes, que buscavam melhores condições de vida na região sudeste, sobretudo no Estado de São Paulo.
Para além do que geralmente escutamos sobre as expectativas e os sonhos dos migrantes, Portinari retratou o cenário de miséria e a falta de perspectiva de uma população carente de políticas públicas, que tinha na seca a razão imediata para migrar.
A Obra
Em "Retirantes", Portinari retratou uma família de migrantes composta por quatro adultos e cinco crianças em uma atmosfera fúnebre, representada pela escolha de tons terrosos na composição. Para entendermos melhor a complexidade do quadro, dividimos a análise em três eixos, enfatizando os principais elementos:
- Representação do ambiente: os tons terrosos empregados na tela dão ênfase à atmosfera fúnebre que envolve a cena. No céu, existem urubus – aves que se alimentam de matéria morta –, enfatizando a ideia de morte. O solo seco simboliza um ambiente de difícil agricultura e pobre de oportunidades. Pelo chão, existem pedaços de tecidos e de objetos, além de ossos de animais mortos;
- Representação das crianças: na cena, as crianças são caracterizadas com aparência fantasmagórica. São dois bebês de colo, envoltos em panos brancos sujos, e um menino magro com barriga grande e redonda, que representa o alto índice de doenças que assolava aquela população devido à falta de acesso ao saneamento básico nas áreas rurais;
- Representação das expressões faciais: os adultos, as crianças e o idoso apresentam feições assustadas, com os olhos arregalados e sem brilho, representando o desespero com as expressões de tristeza e desamparo.
Documentar e refletir sobre as experiências migrantes no universo das artes faz parte dos esforços recentes do Museu da Imigração.
Assim, entender as significações de uma obra, no contexto em que foi produzida, nos ajuda a compreender os contextos, os motivos e as experiências dos migrantes. Ao compararmos com o presente, "Retirantes" continua sendo um quadro que gera reflexões à medida que representa dilemas que a nossa sociedade continua enfrentando: pessoas em busca de melhores condições econômicas e sociais, o problema da seca e os muitos deslocamentos.
Referências
[1] Retirantes, C. Portinari, 1944. Acervo MASP (https://masp.org.br/busca?search=retirantes).
[2] O Brasil de Vargas, principalmente a partir da implementação do Estado Novo (1930), passou por uma série de mudanças de caráter "desenvolvimentista". Dentre as medidas tomadas, houve a criação de empresas e o incentivo à industrialização e às migrações nacionais. Para saber mais, consultar: COELHO, Tiago da Silva. Migração nordestina no Brasil varguista: diferentes olhares sobre a trajetória dos retirantes. 2012. 160 f. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.
Crédito foto da chamada: Enciclopédia Itaú Cultural.