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Arte migrante: 11 artistas e 11 obras em 2022 - Lasar Segall
Por Nicole Silva
Lasar Segall foi um renomado artista plástico judeu e um dos principais nomes do modernismo brasileiro. Nasceu em 1889, na cidade de Vilna (capital da atual República da Lituânia). Com influências do expressionismo e impressionismo, o autor abrange diversas temáticas em suas obras e teve a migração como foco principal em muitas delas. Sendo um artista judeu, a perseguição, a discriminação e a violência fizeram parte de toda a sua infância, vivida sob o regime czarista vigente no Império Russo[1].
Segall afirmava que "cada homem é filho do seu tempo e a sua expressão, é a expressão do seu tempo"[2]. Sendo assim, com forte engajamento político e responsabilidade social, as migrações e os deslocamentos, constantes no cotidiano dos judeus orientais, também estiveram presentes em muitas de suas obras[3]. Grupo de emigrantes no Tombadilho (1928), Emigrantes (1929), Primeira Classe (1929) e Navio de Emigrantes (1939-1941) são exemplos de representações dessa temática.
Em Navio de Emigrantes, produzida no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1941), o artista retratou a intensa experiência da migração. Com as suas próprias experiências pessoais, como um artista migrante autoexilado no Brasil, nota-se o intuito de expressar os profundos e impactantes sentimentos de angústia e preocupação dos passageiros rumo a um novo destino incerto e desconhecido.
Assim, abrangendo sentimentos de caráter tenso e apreensivo, Segall buscou atrair o público para uma intensa representação da combinação entre aflição e expectativa, comumente vivenciada pelos povos migrantes. Nesse cenário, Mário de Andrade enalteceu tal habilidade brilhantemente exercida por Segall em conciliar sentimentos tão heterogêneos, afirmando que: "sem nunca abandonar o essencial expressivo no qual suavemente agora transparece a mesquinhez da condição humana na terra, ele pôs ao lado da dor a alegria. Não como um contraste, porém, como uma fusão"[4].
Nesse quadro em específico, além do desconforto perante à superlotação da embarcação, é possível notar feições cansadas, aflitas e pensativas na representação dos passageiros. À vista disso, cada detalhe na obra contribui para a composição de um cenário dramático: as fortes ondulações das ondas representando um mar agitado, o caráter quase fantasmagórico das duas aves que sobrevoam o céu e as nuvens escuras carregadas com matizes ameaçadoras colaboram para uma imersão na dramaticidade da obra.
Por certo, os séculos XIX e XX foram um período de grande deslocamento humano, sendo a migração para o Brasil parte integrante de um grande projeto de colonização das áreas fronteiriças do país e de transição para o trabalho livre pós-abolição[5]. No entanto, a representação artística realizada por Segall poderia ser compreendida para além de um registro desse processo histórico, demarcado por um contexto socioeconômico do Brasil. Diante disso, o quadro Navio de Emigrantes também pode ser interpretado como a expressão da própria experiência do artista, que, enquanto judeu migrante, também foi alvo de perseguição e violência antissemita no seu país de origem.
Fica claro, portanto, que o olhar repleto de sensibilidade de Lasar Segall, ao mesclar dor e esperança nas suas representações dos processos migratórios, traz forte visibilidade e legitimidade às complexas experiências de migração e exílio vivenciadas por milhares de famílias de diferentes valores sociais, étnicos e econômicos. Sendo assim, ao dar importância à função social da arte em conduzir reflexões socioculturais e utilizá-la como fator de resistência e manifesto político-social, Segall mostra-se como um artista excepcional de grande valor não apenas para o campo artístico, mas também para a sociedade brasileira como um todo.
Crédito foto da chamada: Museu Lasar Segall - IPHAN/MinC (São Paulo, SP).
Referências
[1] CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Lasar Segall: Artista-símbolo dos judeus na diáspora. 2021. Disponível em: http://www.morasha.com.br/arte-e-cultura/lasar-segall-artista-simbolo-dos-judeus-na-diaspora.html. Acesso em: 02 ago 2022.
[2] BECCARI, Vera D'Horta. Lasar Segall e o Modernismo Paulista. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. (Antologias e Biografias).
[3] Informação obtida na biografia do autor produzida pelo site do Museu Lasar Segall. Disponível em: http://www.mls.gov.br/lasar-segall. Acesso em: 31 jul 2022.
[4] Andrade, 1925 apud MILLER, Ábílio Á. et al. Lasar Segall: antologia de textos nacionais sobre a obra e o artista. Rio de Janeiro: Funarte/Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1982. p. 23-24.
[5] MOURA, Soraya.; PAIVA, Odair da Cruz. Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra. 2008a.
[6] MOURA, Soraya.; PAIVA, Odair da Cruz. Memorial do Imigrante: A imigração no estado de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. 2008b.