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Arte migrante: 11 artistas e 11 obras em 2022 - Noè Bordignon
Por Henrique Trindade
Noè Raimondo Bordignon nasceu em 1841, na província de Treviso (Itália), mais precisamente em Salvarosa, comune de Castelfranco Veneto. Com 17 anos, começou a estudar na Academia de Belas Artes de Veneza, instituição em que se formou quase dez anos depois.
Em memória aos 100 anos da morte do artista (1920), foi realizada, em 2021, uma grande exposição das suas obras, centradas na sua cidade natal, Castelfranco Veneto, e no seu lugar predileto, San Zenone degli Ezzelini. A mostra tinha como título "Noè Bordignon: do realismo ao simbolismo"[1].
A paisagem do Vêneto foi inspiração para muitas das pinturas de Bordignon ao longo da sua trajetória artística. Em 1887, ele apresentou a obra Per L'America (Emigranti). Ao contrário de muitos artistas que retrataram a imigração nesse período e preferiram ilustrar a paisagem dos portos, Bordignon optou por outro momento da viagem dos imigrantes, a saída da sua aldeia de origem.
É importante ressaltar que a região do Vêneto foi uma das mais significativas, em termos quantitativos, no que diz respeito ao incremento dos fluxos migratórios em direção à América, especialmente ao Brasil. Províncias como Pádua, Rovigo, Verona, Veneza e a própria Treviso "expulsaram" diversas famílias para o outro lado do Atlântico. Prova disso são as dezenas de matrículas existentes na Hospedaria de Imigrantes do Brás para pessoas que possuíam o mesmo sobrenome do artista, Bordignon. Ele, portanto, vivenciou e, muito provavelmente, observou algumas famílias conterrâneas na estrada, caminhando até a estação ferroviária mais próxima que os levaria ao porto de partida em direção a um novo país e à esperança de um recomeço mais auspicioso.
É justamente essa cena que observamos em Per L'America. Uma família numerosa, inclusive algo bastante característico da migração dessa região para o Brasil no final século XIX, em meio aos campos vênetos, começando a sua longa jornada em busca de um novo mundo. Ao fundo, as últimas casas da aldeia ficam para trás, cercadas pela paisagem montanhosa. Na mesma estrada, em direção contrária à família, um homem curvado pelo peso do saco que carrega e, aparentemente, maltrapilho, volta para a sua rotina de trabalho árduo. Ao lado direito, na plantação, uma curiosa cena de uma pessoa com as mãos erguidas e uma fogueira na frente. Estaria acenando para a família?
Na carroça pobre, puxada por um burro, a família carrega o que pode e consegue levar. Em contraste com as expressões mais sérias do casal sentado logo a frente da carroça, uma jovem descalça parece sorrir. Além disso, como é corriqueiro nos contextos migratórios do Oitocentos, observamos as crianças e os adolescentes. A inscrição no baú parece indicar o destino da família: "Merica".
Não podemos deixar de mencionar uma reflexão proposta em outro artigo publicado no Blog do CPPR, cujo título é "Mulheres e Migração: A representação da mulher migrante em pinturas de artistas italianos e o seu papel na história das migrações para o Brasil". Apoiados especialmente pelas leituras de Maila Pentucci e Gabriele Simões[2], discorremos acerca do arquétipo da mulher mãe nessas obras, algo que também observarmos nesse quadro de Bordignon.
Não podemos imaginar essa pintura como uma simples ilustração de um fato histórico. É preciso tentar compreender os anseios do artista com ela e as razões pelas quais quis retratar e apresentar esse drama familiar.
Mais materiais e informações sobre Bordignon e a sua obra podem ser encontradas no site dedicado à exposição citada anteriormente: https://www.mostrabordignon.it.
Referências
[1] Site da mostra dedicada a Bordignon: https://www.mostrabordignon.it.
[2] TRINDADE, Henrique. Mulheres e Migração: A representação da mulher migrante em pinturas de artistas italianos e o seu papel na história das migrações para o Brasil. Blog Museu da Imigração, 14 de julho de 2021. Disponível em: https://www.museudaimigracao.org.br/blog/migracoes-em-debate/mulheres-e-migracao-a-representacao-da-mulher-migrante-em-pinturas-de-artistas-italianos-e-o-seu-papel-na-historia-das-migracoes-para-o-brasil.