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Curadoria: uma reflexão sobre processos museológicos
Por Otávio Balaguer
O termo "curadoria" é um vocábulo bastante comum no mundo contemporâneo. Temos visto ele ser empregado em diferentes áreas de trabalho para designar procedimentos que, geralmente, são executados por um sujeito que realiza escolhas, seleções e ordenamento de algo para a construção de um sentido, sensação ou experiência, seja em contexto museológico ou não. A palavra passa a ser amplamente utilizada no campo da arte contemporânea a partir da segunda metade do século XX, quando surge a figura do "curador independente", ou seja, não mais ligado exclusivamente a uma instituição.
No entanto, nem sempre foi assim. A origem do termo está relacionada à atividade de um especialista que desenvolvia, no contexto dos museus de ciências, as ações de preservação, pesquisa e comunicação de uma coleção. Aquele exercia, então, domínio intelectual sobre a interpretação dos indícios materiais dentro de um universo seleto. Aqui, percebe-se que a curadoria já estava muito associada a um sujeito, a uma pessoa. Nas palavras de Jens Hoffmann:
do século XVIII até boa parte do século XX, curadores eram eruditos que tomavam conta dos tesouros do passado. Eram guardiões intelectuais dos museus, e suas exposições serviam a um propósito bastante objetivo: defender a ideia de que os objetos sob seus cuidados mereciam ser protegidos e que eles serviriam para educar de alguma forma o público geral.[1]
Podemos entender que tais especialistas, ou melhor, curadores, tinham uma formação associada ao estudo das coleções, dirigida pelas características de cada uma delas, seus saberes e disciplinas. Assim, o profissional era identificado como um responsável direto por uma coleção em todas suas dimensões, no que a Reinwardt Academie chama de "modelo PPC": Preservação, Pesquisa e Comunicação[2].
Os profissionais de museus têm seu pensamento moldado com naturalidade no dito "modelo PPC", já que as atividades desenvolvidas por eles conformam os Processos Museológicos, ou seja, as ações pelas quais o objeto deve passar para se tornar artefato museológico ou "semióforo". Este conceito foi trazido à luz por Krzysztof Pomian[3] para definir o deslocamento do objeto de seu sentido social, do uso e do consumo cotidiano para o universo do simbólico, o que ocorre a partir da seleção e retirada de seu circuito social. Tal status é atribuído pelo processo de musealização.
A disciplina museológica hoje compreende a curadoria como um ciclo de ações, as ações curatoriais, nas palavras de Cristina Bruno[4]. Desta maneira, todo o processo descrito acima configura o ciclo curatorial. Assim, houve um deslocamento da imagem sólida do sujeito curador para um conjunto de "curadores", ou melhor, de profissionais que realizam a curadoria.
Em se tratando dos museus de história, os caminhos da curadoria devem ser desenvolvidos por todos os agentes implicados no exercício da criação de sentidos para objetos e narrativas expositivas. Isso passa pela coleta, processamento técnico, documentação, conservação, pesquisa, exposição e educação – os dois últimos podem ser entendidos conjuntamente como comunicação museológica.
Selecionar o objeto de seu contexto originário, muitas vezes ligado ao uso e afeto de pessoas específicas, e trazê-lo para o nível coletivo é um grande desafio enfrentado também pelo Museu da Imigração. Afinal, definir, entender e comunicar o patrimônio gerado pelo fenômeno migratório é um trabalho árduo.
Novamente recorremos à museóloga Cristina Bruno, quem nos faz perceber que a curadoria, em todas as suas etapas, é um encadeamento de atividades ligado às relações interpessoais, à colaboração e ao olhar, pois
refletir sobre a definição de curadoria permite reconhecer que para a efetivação dos processos curatoriais é fundamental o exercício do olhar, a implementação de atividades solidárias e o respeito às exigências socio-culturais.[4]
Sendo uma ação essencialmente coletiva, ela pode seguir diversos caminhos, visto que depende diretamente da tomada de decisão dos agentes envolvidos. Nesse sentido, não cabe aqui explorar a diversidade de direções que as ações podem tomar, mas apenas afirmar que a curadoria é um leque de oportunidades que promove a extrapolação do sentido intrínseco ao objeto e que, geralmente, nos conduz a problematizações.
Por isso, é importante ressaltar que, como apontam os pesquisadores do Museu do Ipiranga, não é oportuno para os museus históricos que a narrativa museológica busque "capturar o visitante em armadilhas afetivas para com isso promover o sentimento de nostalgia, que imobiliza ao mesmo tempo que confere ao museu o poder de ser guardião das lembranças perdidas"[5]. Em se tratando da realidade museal contemporânea, sem dúvida esse é o nosso maior desafio, que futuramente pode ser explorado em novas discussões.
Referências
[1] HOFFMAN, Jens. Curadoria de A a Z. Rio de Janeiro: Cobogó, 2017.
[2] DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François (Ed.). Conceitos-chave de museologia. São Paulo: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus; Pinacoteca do Estado de São Paulo; Secretaria de Estado da Cultura, 2013.
[3] POMIAN, Krzysztof. Colecção. Enciclopédia Einaudi. Porto: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1984. p. 51-86.
[4] BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Definição de Curadoria: os caminhos do enquadramento, tratamento e extroversão da herança patrimonial. In: Julião, Letícia; Bittencourt, José Neves. (Org.). Caderno de Diretrizes Museológicas 2. 1ed. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, 2008, v., p. 14-33.
[5] CARVALHO, Vânia Carneiro de; MARINS, Paulo César Garcez; LIMA, Solange Ferraz de. Curadoria em museus de história. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, [S. l.], v. 29, p. 1-24, 2021. DOI: 10.1590/1982-02672021v29e40. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/anaismp/article/view/189321. Acesso em: 29 jun. 2022.