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Entre a teoria e a prática: estudar museologia e trabalhar em museu
Por Gabriela Araújo Santos
O estudo da museologia e a possibilidade de trabalhar em um museu histórico permitem a aplicação dos conhecimentos adquiridos em sala de aula no cotidiano. De maneira geral, uma vez que a teoria em qualquer área pode parecer muito abstrata para quem a inicia, a oportunidade de atuar em um museu contribui para a absorção de saberes, sendo possível identificar questões e desafios que podem ser abordados por meio do conhecimento adquirido no curso de museologia.
Este artigo tem como objetivo apresentar uma perspectiva pessoal, enquanto estudante e profissional de museus, abordando trajetórias, oportunidades, desafios e diferentes possibilidades dentro de uma instituição museológica.
O interesse pela área surgiu durante a licenciatura em História, quando houve a necessidade de escolher entre as possibilidades profissionais disponíveis. Por ser formada em ciências humanas, o interesse pela história da Hospedaria de Imigrantes e pelo Museu da Imigração surgiu na mesma época da graduação. Foi, então, que iniciei os meus estudos em cursos de Documentação, Conservação de Acervo, Educação e Patrimônio Cultural e, finalmente, no curso técnico em Museologia na ETEC, que dispõe de professores referência nas áreas de Conservação, Curadoria, Teoria Museológica, entre outras esferas que compõem a grade.
A colaboração entre essas áreas pode ser observada na criação e na administração de museus que buscam preservar e divulgar o patrimônio histórico-cultural. A história é fundamental na formação do acervo, por meio de pesquisas e estudos que buscam compreender a importância histórica dos objetos, documentos e outros itens que fazem parte da coleção do museu. Por outro lado, a museologia é encarregada de gerir o acervo, organizar exposições e eventos e mediar o conhecimento histórico para o público.
Além disso, considero a formação em História um diferencial. Conforme afirmado por Guarnieri[1], objetivo da Museologia é o conhecimento claro e intenso do Fato Museal e o processo de estudo e atuação na área de museus é interdisciplinar. Em outras palavras, o conhecimento histórico, assim como a interseção de conteúdos presentes na formação em Museologia, amplia a perspectiva tanto do estudante quanto do profissional. Diferentemente da minha visão como visitante de museus, que sempre foi um hobby apreciado em minha vida, hoje as discussões levantadas em sala de aula e cotidianamente no Museu da Imigração têm um impacto significativo.
No Centro de Preservação, Pesquisa e Referência (CPPR) do Museu da Imigração, o meu trabalho é principalmente com o público visitante interessado em pesquisas familiares ou acadêmicas. Por isso, é fundamental conhecer e ler a história da imigração no Brasil e o papel da Hospedaria de Imigrantes na recepção, na triagem e no encaminhamento dos trabalhadores migrantes para os seus locais de trabalho, seja na cidade ou no interior. No contexto museológico, a pesquisa também é responsável por conduzir curadorias de exposições e levantar materiais bibliográficos que contribuam para a composição de novas exposições.
Ainda sobre o Núcleo de Pesquisa, é notável que a interação com o público visitante é valiosa para a formação e a atuação profissional, já que, durante as conversas, emergem questionamentos sobre diversos temas relacionados à instituição como espaço de difusão histórica e cultural e é, nesse momento, que as diferentes áreas de formação se unem. As dúvidas frequentes abrangem desde a arquitetura do edifício até o contexto histórico que motivou a construção da Hospedaria do Brás, bem como as características de algum item que chama a atenção nos módulos. E é fascinante observar como essas trocas atravessam tanto a minha perspectiva como profissional quanto a do visitante.
Atuar em um museu histórico é importante, uma vez que as interações com o público frequentemente giram em torno da memória, porém, "para que o museu possa cumprir sua função social, ele deve ser trabalhado de forma que não se limite a um espaço de contemplação" [2]. O desafio pessoal de separar a perspectiva de visitante da profissional surge quando tenho a oportunidade de auxiliar na curadoria de uma nova exposição virtual. Escolhas na curadoria visam despertar o senso crítico em quem a observa e pensar nessas escolhas dentro de um museu histórico, que funcionou como Hospedaria durante 91 anos, é, sem dúvida, um ótimo estímulo:
"Selecionar um objeto de seu contexto originário, muitas vezes ligado ao uso e afeto de pessoas específicas, e trazê-lo para o nível coletivo é um grande desafio enfrentado também pelo Museu da Imigração. Afinal, definir, entender e comunicar o patrimônio gerado pelo fenômeno migratório é um trabalho árduo." [3]
Ao tratar da memória, pode surgir um problema delicado de comunicar a um possível doador que um objeto de estima da família só pode ser incorporado ao acervo do Museu após a conclusão de um processo que envolve procedimentos burocráticos relacionados à política de aquisição de acervo [4]. A aquisição de uma peça por doação segue diretrizes estabelecidas pelo museu, que avalia a relevância da mesma para inclusão em seu acervo.
Com frequência, recebemos solicitações de doação de diversos objetos, como fotografias e outros itens que acompanharam as famílias durante o processo migratório e que têm importância para a memória da família e do público que os trazem consigo ao museu durante a visita. No entanto, essas solicitações estão sendo temporariamente recusadas e, nesse momento, é necessário esclarecer as questões relacionadas à política de aquisição do Museu da Imigração [5] e todo o processo que deve ser seguido para a aceitação da peça em questão, seja por e-mail ou pessoalmente.
O processo museológico é composto por setores e disciplinas complementares, cada um com a sua importância, e que resultam no museu e nas exposições entregues ao público. A combinação do aprendizado teórico nas aulas e da prática cotidiana dentro do Museu da Imigração exerce grande influência em minha atuação tão recente. Uma exposição é um produto de intensa pesquisa, debates entre diferentes setores do corpo técnico e de comunicação, que trabalham para "transformar os conteúdos da memória em matéria-prima do conhecimento histórico", como defendido por Letícia Julião [6]. Finalizo reafirmando a reflexão de Julião sobre o papel da pesquisa nas instituições museológicas, onde cabe ao museu promover seu território "não como palco de sua expressão e legitimação, mas como espaço para o exercício de sua interpretação crítica".
Referências
[1] RÚSSIO, Waldisa. "A Interdisciplinaridade em Museologia". In: Waldisa Rússio Camargo Guarnieri. Textos e Contextos de uma trajetória profissional. Coord. Maria Cristina Oliveira Bruno, vol.1: São Paulo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2010.
[2] RODRIGUES, Ana Ramos. "O Museu Histórico como agente de ação educativa". Revista Brasileira de História & Ciências Sociais Vol. 2 Nº 4, dezembro de 2010. Disponível em: https://www.sisemsp.org.br/blog/wp-content/uploads/2016/04/O-Museu-Hist%C3%B3rico-como-agente-de-A%C3%A7%C3%A3o-Educativa.pdf.
[3] BALAGUER, Otávio. "Curadoria: uma reflexão sobre os processos museológicos". Blog Museu da Imigração. Disponível em: https://museudaimigracao.org.br/blog/bastidores/curadoria-uma-reflexao-sobre-processos-museologicos.
[4] CÂNDIDO, Maria Inês; MUSEOLÓGICA, Documentação. Caderno de diretrizes museológicas I, Brasília: Ministério da Cultura/Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Departamento de Museus e Centros Culturais, Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura/Superintendência e Museus, 2006.
[5] INSTITUTO DE PRESERVAÇÃO E DIFUSÃO DA HISTÓRIA DO CAFÉ E DA IMIGRAÇÃO. "Procedimento Operacional Padrão de Pré-entrada e Doações Coleção Museológica". Disponível em: https://museudaimigracao.org.br/uploads/portal/acervo_e_pesquisa/documentos_de_gestao/2018-pop-pre-entrada-e-doacoes-museologico-08-02-2020-16-57.pdf.
[6] JULIÃO, Letícia. "Pesquisa Histórica no Museu". In: Caderno de Diretrizes Museológicas. v. 1, p. 95-108, 2006. Disponível em: https://www.sisemsp.org.br/blog/wp-content/uploads/2015/04/Caderno_Diretrizes_I-Completo-1.pdf.