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Hospedaria de Histórias: Escola, Hospital, Restaurante ou Hospedaria?
Por Thaíla Mateus da Silva
Com o fim do Império do Brasil e a Proclamação da República, em 1888, as políticas de atração de trabalhadores estrangeiros sofreram várias alterações, principalmente em 1896, ano em que o Governo Federal se afastou diretamente dessa função e transferiu boa parte dessas competências às províncias[1]. Para entendermos melhor como a Hospedaria de Imigrantes do Brás adaptou-se a essas mudanças, e como tais espaços articulavam as suas funções, é necessário compreendermos a inserção da instituição no território e, também, as relações com os espaços de poder.
Pensando nisso, nesse artigo, analisaremos as publicações da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo entre 1936 a 1959, documentos que nos ajudam a visualizar os usos e as articulações da Hospedaria do Brás nesse contexto. Antes de mais nada, gostaríamos de informar que as fontes utilizadas estão disponíveis em livre acesso e podem ser consultadas no site da Hemeroteca Digital Brasileira. Para conhecer o acervo, basta acessar: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital.[2]
Em 1936, foi publicado o seguinte texto no Diário da Assembleia Legislativa de São Paulo:
"Realizou-se a inauguração official do prédio (da Hospedaria) em 9 de novembro de 1936. Empreendeu-se a divulgaçao, no exterior no proprio paiz, das informações sobre o trabalho agrícola e possibilidades economicas e sociaes do colono, immigrantes e trabalhadores nacionaes".
Essa notícia faz referência à reabertura realizada após a reforma, já que a Hospedaria entrou em funcionamento em 1887. Em 1942, o Diário informava que a presença de navios de migrantes internacionais havia sido baixa no Porto de Santos. Em contrapartida, a chegada de migrantes brasileiros vindos pelas estradas de Minas Gerais batia recorde:
"O movimento immigratorio foi baixo em 1943 […] A maior parte do movimento se precessou por vias terrestres, registrando-se a passagem, pela Hospedaria de Immigrantes, de cerca de 120mil pessoas vindas da Baia e Minas Gerais."
A diminuição na entrada de estrangeiros por via marítima pode ser atribuída, como causa imediata, aos efeitos da Segunda Guerra Mundial. Além do conflito de caráter mundial, o Brasil, naquelas décadas, restringiu a entrada de migrantes internacionais, a partir de um projeto nacionalista. Em decorrência disso, ainda em 1942, o Diário da Assembleia publicou:
"Em consequencia de haver sido resolvida a instalação, em São Paulo, de uma escola de mecânicos de Aviação, por necessidade decorrente do estado de guerra com os países do “eixo”, o edificio da Hospedaria de Immigrantes teve de ser desocupado para sede do novo estabelecimento."
Uma vez que a Hospedaria do Brás estava sendo utilizada como escola para mecânicos da aviação, a recepção dos migrantes que se deslocavam para o Estado ficou prejudicada. Ainda na cidade de São Paulo, na região do Campo Limpo, foi instalada uma Hospedaria improvisada para a recepção dessas pessoas. Em 1948, o Diário publicou:
"No tocante à imigração e colonisação, apesar dos óbices e inconvenientes decorrentes de instalações deficientes e impróprias, o Departamento encarregado dêsses serviços deu encaminhamento normal a todos os seus problemas. Na Hospedaria Provisória de Campo Limpo, foram matriculados e distribuidos 2.577 deslocados de guerra e muitos colonos brasileiros […]"
Já na década de 1950, com o fim da Grande Guerra, a Hospedaria temporária do Campo Limpo foi desligada e a Hospedaria do Brás passou por um processo gradual de retorno às funções originais: a acolhida de brasileiros e estrangeiros. Nesse mesmo período, com o sistema de saneamento básico ainda em construção, a cidade de São Paulo enfrentava grandes surtos de varíola e alagamentos e esgoto à céu aberto, principalmente em bairros periféricos. Nos anos de 1957 e 1958, o Diário da Assembleia informou:
"A vacinação contra a varíola foi intensificada em toda capital, instalando-se ainda postos permanentes de vacinação da Via Dutra, na Estação Roosevelt e na Hospedaria de Imigrantes, a fim de imunizar os nordestinos que entram no estado." (1957)
"A quase totalidade e conjunto dos edifícios da Hospedaria está sendo reformada, achando-se alguns demolidos e em seu lugar levantando outros mais sólidos. Os serviços médicos da Hospedaria serão consideravelmente ampliados […]" (1958)
Com a reforma dos edifícios da Hospedaria concluída, a instituição voltou a receber trabalhadores nacionais e estrangeiros. Em 1959, o Diário apresentou:
"Com a remodelação sofrida, a Hospedaria de Imigrantes tem hoje a seguinte capacidade: Cozinha - capaz de fornecer cêrca de mil refeições por hora."
Por meio dessas fontes, conseguimos perceber a capacidade de adaptação da instituição a diferentes contextos: períodos de guerra, diminuição dos fluxos de migrantes e epidemias urbanas. Além disso, fica evidente a importância da Hospedaria do Brás para a articulação dos diversos interesses do Governo do Estado de São Paulo naquele período.
Por fim, deixamos a reflexão: o edifício em que funciona o Museu da Imigração foi escola, hospital, restaurante ou Hospedaria? Foi todos eles!
Referências
[1] CHRYSOSTOMO, Maria Isabel de Jesus; VIDAL, Laurent. Do depósito à hospedaria de imigrantes: gênese de um "território da espera" no caminho da emigração para o Brasil. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 21, p. 195-217, 2014. p.10.
[2] "Assembléa Legislativa de São Paulo: Mensagem apresentada pelo Governador Armando de Salles Oliveira (SP) - 1936 a 1959" in Hemeroteca Digital Brasileira. (http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital).