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Artes e Ofícios: Imigrantes artífices na construção do palácio da Bolsa Oficial de Café (1920 – 1922)
Bruno Bortoloto - Analista de Pesquisa
Antes de começar o texto, gostaria de me apresentar. Meu nome é Bruno Bortoloto do Carmo, sou pesquisador do Museu da Imigração desde fevereiro deste ano. Eu venho de um período de 13 anos como pesquisador do Museu do Café, localizado em Santos no na antiga Bolsa Oficial de Café. Esse edifício é bastante emblemático, um marco na arquitetura eclética, inaugurado em 1922 no auge dos negócios do produto no porto de Santos. Nesse texto, pretendo fazer uma ponte entre todos esses anos que pesquisei a história do café com um assunto que foi pouco abordado sobre esse prédio: a origem imigrante da mão de obra dos artífices que construíram cada detalhe daquele palácio. Falarei sobre italianos, espanhóis, alemães, franceses que atuavam como marceneiros, serralheiros, vitralistas, artistas escultores, enfim… entender um pouco dessa imigração do café que foi além das lavouras. Espero que gostem!
No início do século XX, à medida que o café abria caminhos pelo oeste do estado de São Paulo, pequenos núcleos urbanos transformaram-se em cidades, reclamando mais e novas edificações. Com o impulso econômico, substituir o aspecto colonial de povoados passou a ser um imperativo, e as casas de taipa foram rapidamente demolidas para dar lugar a construções em tijolo, com novos adornos em fachadas e interiores.
Edifícios públicos e privados – presentes até hoje em todo o território paulista – passaram, assim, a traduzir arquitetonicamente a nova identidade das elites ligadas ao café. A necessidade em larga escala de construções e ambientes ornamentados ao gosto europeu e um projeto de formação profissional em nível técnico deram origem ao Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo – instituição que passou a ser responsável por transpor práticas e técnicas da artesania ao saber industrial e seriado, atendendo essa nova demanda.
À mescla de influências de estilos, períodos e técnicas juntava-se a dissociação dos componentes construtivos dos elementos decorativos, adicionados somente numa etapa final. O estilo dos edifícios construídos nesse contexto estético ficou conhecido como “eclético”.
O palácio da Bolsa Oficial de Café em Santos é um dos mais importantes testemunhos do estilo “eclético”, tendo sido o primeiro edifício tombado como patrimônio histórico nacional, por tais características, em 2009. Construído em 1922, o edifício da Bolsa contou com o que havia de mais nobre em termos de material e mão de obra, e traduziu, em detalhes, a opulência do café para a economia brasileira da época.
A obra é geralmente creditada à Companhia Construtora de Santos. Entretanto, muitos de seus detalhes tiveram autoria e execução compartilhada com diversos artífices que possuíam oficinas em Santos, São Paulo e no Rio de Janeiro.
Neste texto propomos apresentar estes pequenos (e às vezes até médio) industriais da construção civil que, em grande parte, foram responsáveis pela construção dos edifícios da arquitetura eclética. Eram migrantes italianos, alemães, espanhóis e franceses que iniciaram em empresas familiares conforme sua especialização: serralheiros, marceneiros, vitralistas, estucadores, canteiros, entre outros.
VITRAL
Um desses artífices era Conrado Sorgenicht. Era migrante alemão e abriu em 1889, na região da Luz, em São Paulo, uma pequena oficina de trabalhos diversos: douração, molduras, espelhos e vidros.
A utilização de vitrais em casas da burguesia e prédios públicos seguiu a importação da cultura material das grandes metrópoles europeias. Os vidros eram importados de países como Alemanha, Bélgica e França ou, caso não fosse encontrada a cor desejada, encomendados especialmente em cristaleiras nacionais.
Conrado Sorgenicht foi considerado um expoente vitralista no Brasil, tendo seu filho (e depois seu neto) seguido com a empresa. Os vitrais da Casa Conrado participaram da construção de diversos edifícios públicos: em Santos, o Palácio Saturnino de Brito e a Alfândega; na Capital Paulista, o Mercado Municipal e a Casa das Rosas são alguns dos exemplos de seus trabalhos.
Na Bolsa, todos os vitrais, como os da porta principal e janelões, foram feitos em vidro catedral pela conceituada Casa Conrado, bem como o vitral do salão principal – elaborado a partir de desenho e orientação direta do artista Benedicto Calixto [1].
MARCENARIA
Continuando na mesma área do edifício da Bolsa Oficial do Café em que está localizado o vitral da Casa Conrado – o salão do pregão – existe o trabalho de marcenaria do cadeiral, projetado e executado pela firma Blumenschein & Cia.
Com nome fantasia “A Residência”, a fábrica de móveis do alemão Hanery Blumenschein funcionava na rua Dr. Fausto Ferraz, atual bairro da Bela Vista, além de possuir escritórios na Praça da República, ambos localizados em São Paulo, Capital.
Não se sabe ao certo quando Hanery imigrou para o Brasil, mas foi possível descobrir que casou-se com Yde Schloembach em 1910 e já possuía sua oficina de marcenaria desde, pelo menos, 1913. A fábrica tornou-se grande nos anos 1920, empregando quantidade considerável de migrantes nacionais e internacionais; a atividade industrial também foi foco de diversas greves do setor de operários em serralheria à época. A fábrica funcionou até fins dos anos 1930, quando Blumenschein partiu para o Paraná e focou-se no ramo de extração e exportação de madeiras.
Um fato curioso é que Hanery Blumenschein era cunhado do também alemão Conrado Sorgenitch, responsável pelos vitrais da Bolsa. Isso mostra uma rede de pequenos industriais à época, visto que muitas vezes apareciam em obras de forma conjunta.
Além do vitral, o edifício da Bolsa Oficial de Café conta com ricos trabalhos em madeira, que vão de assoalhos, guarda-corpos, revestimentos de ambientes e esquadrias das janelas. As divisórias do andar térreo foram feitas pela Marcenaria Costillas e Nicolosi & Filho.
Pertencentes respectivamente a um espanhol e um italiano, estas duas firmas localizavam-se em Santos. A primeira – “Casa Costillas” – pertencia ao migrante espanhol Nicasio Costillas, que começou a anunciar nos jornais no ano de 1913. O fundador da casa faleceu nos anos 70, o que fez a casa original encerrar suas atividades, mas sabe-se que seus descendentes ainda trabalham na construção de móveis em madeira até os dias de hoje.
A segunda chamava-se “Nicolosi & Filho”, de propriedade de João Nicolosi. O migrante italiano apareceu nos periódicos com sua marcenaria à mesma época que Costillas, na década de 1910. No entanto, sua permanência não pareceu tão longa quanto a de seus concorrentes espanhóis, tendo cessado suas atividades ainda na década de 1930.
Já os trabalhos de revestimento do restaurante da Bolsa, localizados no terceiro andar, foram executados pela Cia. Bettenfeld, da França e com filial no Rio de Janeiro.
Foi fundada em 1895 pelo alemão Jean Bettenfeld na França sob o nome de atelier Bettenfeld-Quanonne, com sede na avenida Ledru-Rollin, em Paris. Abriram sua filial brasileira no Rio de Janeiro quando Eduardo Guinle convidou Louis-François Bettenfeld para construção do mobiliário e decoração de sua residência na então Capital Federal, o Palácio das Laranjeiras.
A Companhia Bettenfeld atuou no Brasil até a década de 1930, assumindo diversos outros trabalhos tanto em residências, como edifícios públicos, sendo seus principais trabalhos além do restaurante da Bolsa o Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro e o Palácio da Justiça de Pernambuco.
CÚPULA DE COBRE
Um trabalho bastante marcante no edifício da Bolsa Oficial de Café foi o de Frederico (ou Friedrich) Haucke, responsável pelas cúpulas de cobre da torre e da fachada da rua 15 de Novembro.
Haucke se estabeleceu como pequeno industrial de São Paulo do ramo de ornamentos em zinco, cobre, ardósia e louça para telhados de casas e edifícios públicos. Desde 1895 suas propagandas apareciam em jornais da Capital com oficina metalúrgica na rua do Bom Retiro, 42A. Além de ornamentos, oferecia instalação de encanamentos de água e gás, além de fabricação de utensílios domésticos.
Além das cúpulas do edifício da Bolsa em Santos, um dos principais trabalhos de Haucke foram os ornamentos em cobre para o telhado do Teatro Municipal de São Paulo. Não se sabe muito sobre sua história ou quando fechou o estabelecimento, mas os anúncios param de aparecer na imprensa no ano de 1927, quando sua fábrica de ornamentos estava localizada na rua Santa Ifigênia.
MÁRMORES
Foram pelo menos três firmas, todas de migrantes italianos, que projetaram e executaram os desenhos dos pisos e paredes do salão principal e escadarias laterais.
Começamos com aquela que entende-se ser a principal empresa do ramo no período, a Marmoraria Carrara. Era encabeçada pelo imigrante Nicodemo Rosseli, que iniciou no ramo por volta de 1903 com trabalhos artísticos para cemitérios na cidade de São Paulo, com ponto na Travessa do Seminário. Vinte anos depois, a empresa do italiano já aparecia com filial e depósito na cidade de Santos, na rua Martim Afonso e São Francisco, assim como no Rio de Janeiro e até mesmo em Pietrasanta, na Itália, atuando também como importadores.
Rosseli seguiu crescendo nas décadas seguintes, sendo destacado pela mídia paulista como o principal importador de mármore, tendo vida longeva no ramo até pelo menos o fim dos anos 1950.
Já a Marmoraria Tomagnini era uma filial brasileira da empresa italiana Giuseppe Tomagnini & Fratello, de Pietrasanta. Ela teria acolhido diversos técnicos e operários especializados vindos da Versília.
Essa filial funcionou na cidade de São Paulo, administrada pelos irmãos Roberto e Millano Tonetti, primos dos toscanos donos da empresa na Itália.
A firma funcionou desde fins dos séc. 19 operando em dois endereços: rua Barão de Itapetininga e rua Paula Sousa. Com o falecimento dos irmãos Tonetti na década de 1920, a Tomagnini deixou de operar no Brasil.
A última firma envolvida nos mármores do edifício da Bolsa Oficial de Café foi a firma Rovida e Cia, contratada para se ocupar da ornamentação com pedras claras de carrara e boticcinas nos degraus e nas paredes das escadarias internas de acesso aos andares superiores do edifício.
O italiano Giovanni Rovida atuava no Brasil desde pelo menos 1905, já no mercado de pedras ornamentais importadas, especialmente o mármore. Entende-se que fazia todo o processo de importação das pedras via porto de Santos, além do trabalho em sua oficina localizada no Brás, na cidade de São Paulo.
Foi próspero no ramo, abrindo junto com seu filho Mario Rovida a Marmindústria São Paulo S/A. Manteve-se no Brasil, trabalhando com o mesmo ofício até sua morte em 1950, quando tinha 78 anos.
OBRAS EM CANTARIA
Por fim, faltaram apenas os artífices canteiros, principalmente os escultores que criaram e executaram figuras como as da torre, assim como as da cúpula de entrada da rua XV de Novembro.
Seu responsável pelo conjunto de obras da torre foi Adrian Henri Vital Van Emelen, belga, nascido na pequena cidade de Lovaina e que frequentou a École de Beaux Arts desta cidade. Migrou para o brasil no começo dos anos 1920, possivelmente a convite de seu irmão. Na época se aproximou do Diretor do Museu Paulista, Affonso de Taunay, para quem realizou alguns trabalhos. Talvez por conta dessa relação tenha sido indicado para a ornamentação da torre da Bolsa, que estava sendo construída na mesma época.
Por último, ficam os autores das esculturas presentes na cúpula localizada na rua XV de Novembro, que representam as divindades romanas Mercúrio (Comércio) e Ceres (Agricultura). Autores no plural, pois o francês Antoine Sartorio foi responsável pela idealização e o italiano Elio di Giusto por sua execução.
Antoine Sartorio à época era um escultor francês renomado. Migrou para o Brasil com seu pai por volta de 1890, retornando ao seu país de origem duas décadas mais tarde para estudar na École de Beaux Arts de Paris. Seus únicos trabalhos em território brasileiro são o Monumento aos Andradas (feito em parceria com Gaston Castell e Affonso de Taunay) e a idealização das obras da cúpula da Bolsa de Café. Após estas obras, seus trabalhos concentraram-se na França, principalmente em Marseille.
Já Elio de Giusto migrou para o Brasil e fez sua carreira toda no Brasil, tendo alcançado o cargo de professor do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Além da execução das estátuas do edifício da Bolsa, o escultor também participou da ornamentação do Pantheon dos Andradas; mais tarde ele seria contratado por Taunay para trabalhos no Museu Paulista.
OUTROS ARTÍFICES
O edifício da Bolsa Oficial de Café ainda teve a participação de diversos outros artífices que esta pesquisa não conseguiu abranger. São eles: na parte de serralheria em ferro ornamental, diversos gradis, janelas, portões e guarda-corpos das escadarias foram feitos em serralheria artística executada pelas oficinas italianas Puccinelli, Giovanetti, Matteucci e Irmãos Moneta; na parte de marcenaria, a porta principal da Bolsa foi concebida e executada pela Officina A. Grandi; já em marmoraria, o piso do pórtico foi feito pela firma italiana Bertozzi & Tonetti; e, por fim, todo o trabalho de ornamentação em estuque de gesso da galeria do mezanino do ficou a cargo da Sociedade de Artes Decorativas.
ARTÍFICES MIGRANTES NA VIRADA DO SÉCULO
Das breves descrições apresentadas acima, é possível perceber a forte presença de pessoas vindas principalmente de países como Itália, Alemanha, França e Bélgica dentre os artífices no ramo da edificação na virada do século XIX para o XX. Alguns migram e encontram nas oficinas já estabelecidas os espaços para exercerem seus ofícios, enquanto outros participam diretamente na proposta de expansão dos empreendimentos já iniciados no continente europeu.
Pode refletir tanto o lugar desses países enquanto fontes de inspiração e aspiração por parte da burguesia, mostrando esses sujeitos como parte importante do projeto de modernização impulsionado naquele período, mas também as formas em que poderiam estar vinculados na busca por condições de exercerem seus ofícios no novo local de residência.
Também é importante ressaltar o papel que o Liceu de Artes e Ofícios teve na transformação desses ofícios, conhecidamente feito pela mão de artesãos, passando-os para linhas de produção. Um ofício que era antes desempenhado de forma autoral, passava a ser reproduzido em série: enquanto uma pessoa riscava o molde, outra aplicava. Isso fez com que muitas das casas e edifícios públicos do estilo eclético tivessem seus motivos reproduzidos ao gosto de quem solicitava.
Para além dessas questões, é importante olhar para estes migrantes internacionais que participaram da economia do café e não foram direcionados às fazendas. Muitos, ao que parece, já se estabeleceram nas cidades como seus destinos finais. Isto mostra que os movimentos de deslocamento incentivados pelo café foram mais diversos e plurais que se pode imaginar.
Referências
[1] Caso queira saber mais sobre este vitral, ver: AMORIM, Pietro Marchesini. A Epopéia Bandeirante: Benedicto Calixto e a construção da identidade paulista.