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Migrante, Imigrante, Emigrante, Refugiado, Estrangeiro: qual palavra devo usar?
As palavras em seu uso cotidiano podem nomear objetos, lugares, pessoas e até fenômenos sociais. Migrante, imigrante, refugiado, estrangeiro.... Quando referidas às pessoas que atravessam uma experiência tão complexa como a do deslocamento humano, pode parecer por vezes que algumas palavras se sobrepõem umas às outras. Qual a diferença entre imigrante e migrante? Estrangeiro e refugiado? Afinal, qual termo é o mais correto?
Palavras oferecem enquadramentos, pontos de vista, focos de atenção. No caso aqui tratado, elas nos aproximam das várias facetas envolvidas no deslocamento: algumas delas chamam nossa atenção para o cruzamento de determinadas fronteiras, outras nos levarão a considerar a condição das famílias que permanecem, outras, nos atentarão à necessidade de proteção de algumas pessoas. Vistas desse modo, determinadas palavras oferecem determinados enquadramentos e caminhos para adentrar ao mundo do deslocamento.
Ao que se segue, oferecemos alguns usos e histórias dos termos enumerados. Mais do que definições fechadas, mostramos como cada uma delas se posiciona em relação às outras, tem trajetórias próprias e são mobilizadas em determinados contextos institucionais:
Imigrante
A etimologia nos diz que imigrar decorre da junção entre migrare, “mudar de residência/ condição” + in “para dentro”. Este termo é bastante difundido entre nós aqui no Brasil e tem uma larga história de utilização. O próprio edifício do Museu da Imigração surge como Hospedaria de Imigrantes, inaugurada em 1887. A localização dessa Hospedaria foi decidida estrategicamente, considerando tanto as duas linhas férreas que vinham dos portos onde desembarcavam os imigrantes (a antiga Central do Brasil e a São Paulo Railway), assim como a proximidade com as estações desde as quais estes eram levados ao interior. Como na etimologia da palavra, essa pequena história da localização da Hospedaria de Imigrantes nos serve para perceber que quando falamos de imigrantes, chamamos atenção para pessoas que adentraram a um território, permanecendo nele. Na atual configuração geopolítica, em que os territórios são divididos por fronteiras nacionais, imigrar geralmente refere-se a entrada de uma pessoa a um determinado país e sua instalação. Para entrar em um país, porém, essa mesma pessoa teve de sair de outro. É por esse motivo que quando falamos de imigrante, por oposição a emigrante (do verbo emigrare: migrare, “mudar de residência/ condição” + e “para fora”), tendemos a assumir o ponto de vista do país em que a pessoa entrou e permaneceu. Se o imigrante ao se deslocar “entra” em algum lugar, este lugar nada mais é que o país de chegada.
Emigrante
Imigrar e emigrar, de fato, podem formar um par de opostos, sendo a escolha por qual palavra utilizar apenas uma questão de ponto vista assumido pelo enunciador. Todo imigrante no país de destino é um emigrante no pais de origem. No uso corriqueiro, ambos termos sugerem o atravessamento de, pelo menos, uma fronteira nacional, sendo, nesse caso, imigrante internacional e emigrante internacional as expressões mais adequadas para descrever tal situação. A Lei de Migração (Lei nº 13.445), legislação brasileira que trata dos deslocamentos internacionais, tem um capítulo específico (VII) para tratar “Das Políticas Públicas para os Emigrantes” e “Dos Direitos do Emigrante”. Com isso, o Estado brasileiro assume a sua responsabilidade perante os direitos de seus cidadãos, independentemente de eles estarem residindo em outro território nacional. No Brasil, a emigração internacional se intensificou principalmente nas décadas de 1980 e 1990, quando países como Estados Unidos, Japão, Paraguai, Itália, Alemanha, Portugal e Uruguai tornaram-se os destinos mais buscados por brasileiros que vivenciaram a recessão econômica da década de 1980. Nesse período, expressões como “brasileiros nos Estados Unidos”, “brasiguaios” ou “comunidade brasileira no Japão” circulavam nos meios de comunicação, relatando-nos “aqui” como os brasileiros viviam “lá”. Assim como “imigrante” (que veio de “lá”, para viver “aqui”), dessa maneira, o termo “emigrante” chama a atenção para entrada e permanência, só que desta vez, desde o ponto de vista do país de origem.
Migrante
Dissemos que “imigração” e “emigração” referem-se aos deslocamentos internacionais e à permanência no país de destino. Em contraposição, o termo migrante, por muitas vezes, é utilizado para denominar aquele que se desloca em espaço circunscrito a um território nacional. “Migrante interno” ou “migrante nacional” também são expressões utilizadas, mostrando como este termo tende a compor um conjunto com os dois anteriores. Desse modo, os termos apresentados até aqui se complementam: por um lado estão os “imigrantes” e “emigrantes internacionais” e, por outro, estão os migrantes internos.
Recentemente, houve uma importante mudança de paradigma, acompanhada de uma alteração na forma de uso do termo migrante. Nessa nova configuração, ressalta-se o reconhecimento do migrante enquanto sujeito de direitos, não o definindo a partir de se este “sai” ou “entra” de determinado território nacional (i ou emigração) ou mesmo se permanece nele. Trata-se, nesse sentido, de enfocar principalmente a migração enquanto fenômeno humano, que necessariamente atravessa os diferentes territórios nacionais, envolvendo diversos atores e processos transnacionais.
Esse tipo de uso do termo pode ser encontrado em nomes de organizações intergovernamentais como a Organização Internacional para as Migrações (OIM), ou acordos internacionais, como a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias de 1990, ou mesmo na nossa Lei de Migração, já referida anteriormente. Além de estabelecer direitos fundamentais da pessoa migrante internacional, essa lei define os requisitos e mecanismos para o acesso à Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM), documento de identidade de importância fundamental para os trâmites cotidianos para essa população.
A Lei de Migração foi instituída em 2017, revogando o Estatuto do Estrangeiro, normativa criada na época da ditadura militar (1964-1985). Na lei de 1980, em consonância com outras normativas de países da região, também governados por regimes autoritários, concebia-se o “estrangeiro” como um potencial inimigo do Estado brasileiro, a partir da doutrina da ordem pública e da segurança nacional. Enquanto o termo “estrangeiro”, utilizado na lei 1980, chama atenção para a presença de pessoas alheias ao território nacional, a palavra migrante, no contexto da lei de 2017, indica um sujeito de direito, que pode ou não ser natural do país, já que a lei trata tanto da situação de brasileiros no exterior, como de migrantes internacionais residentes no brasil. “Imigrante” e “emigrante”, dessa maneira, estão contemplados enquanto sujeitos de direitos como migrantes.
Comparado a “imigrante”, “emigrante” e “estrangeiro”, então, o termo migrante nos convida a considerar que atravessando ou não fronteiras nacionais, a mobilidade, o deslocamento e os movimentos são aspectos tão fundantes do humano tanto quanto a permanência, o estabelecimento e os enraizamentos.
Refugiado
A Convenção de Genebra de 1951, normativa que inaugura o Direito Internacional dos Refugiados, considera refugiada a pessoa que se encontra fora do seu próprio território nacional, por “fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política (...)” Gestada no contexto do pós segunda guerra mundial, essa definição tem sido desde então ampliada para dar conta de outras situações vulneradoras dos direitos fundamentais. Por exemplo, a Declaração de Cartagena sobre Refugiados (1984), uma contribuição latino-americana ao debate, buscou complementar a definição de 1951, considerando refugiado pessoas que tenham fugido de seus países porque “sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos (...)”. No refúgio, dessa maneira, ganha destaque a discussão sobre a razão ou motivo que levou determinadas pessoas a abandonarem seus países. Ao identificar os elementos que desencadearam o deslocamento, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), junto ao Estado de acolhida, lança mão de diversos mecanismos para dar proteção internacional a essas pessoas e suas famílias. Pelo chamado princípio de não devolução, então, toda pessoa tem o direito de ter sua solicitação de refúgio avaliada, principalmente levando em consideração os riscos envolvidos em um eventual retorno ao seu país de origem. No Brasil, ao ser reconhecido como refugiado, essas pessoas acedem a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM), documento fundamental para a garantia de seus direitos como “migrante” durante a permanência no país. Desde o ponto de vista do país receptor, então, se poderia afirmar que todo refugiado é um “migrante”; mas, por outro lado, nem todo “migrante” é um refugiado. Comparado a “imigrante”, “emigrante”, “migrante”, então, o termo refugiado se refere a um status, de caráter internacional, chamando atenção principalmente para a proteção requerida pela situação que gerou determinado deslocamento.