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O projeto "8 anos depois de Migrar: experiências, memórias e identidades"
Por Thiago Haruo Santos
A atual exposição de longa duração do Museu da Imigração se chama Migrar: experiências, memórias e identidades e foi inaugurada ao público em 31 de maio de 2014. Foi elaborada por uma equipe interdisciplinar, formada por funcionários das três organizações sociais que se sucederam ao longo do seu planejamento (2010-2014). São elas: Associação de Amigos do Memorial do Imigrante, Instituto da Arte do Futebol Brasileiro e Instituto de Preservação e Difusão da História do Café e da Imigração (INCI). Também participaram consultores especialistas e representantes das empresas Expomus (responsável pela coordenação do projeto), T+T Projetos, Estúdio Preto e Branco e BUMMUB. Tratava-se do principal produto apresentado aos visitantes depois de quatro anos do fechamento para a reforma realizada no edifício.
Ao invés de se limitar a promover e celebrar alguns deslocamentos mais reconhecidos na história paulista, principalmente aqueles vinculados à grande imigração do século XIX e XX, a instituição buscava, naquela ocasião, ampliar o seu escopo, criando um diálogo mais amplo entre os processos do passado e do presente e tomando como ponto de partida comum a experiência humana de migrar.
Assim, em oito módulos, a mostra busca abordar o processo migratório como um fenômeno permanente na história da humanidade, focalizando o cotidiano da Hospedaria de Imigrantes do Brás, a experiência de vida e trabalho no campo no passado, a história de São Paulo no contexto das migrações, a diversidade encontrada nos bairros paulistanos e os relatos de migrantes do passado e do presente.
A partir dessa proposta, o Museu da Imigração pretendeu, nos últimos oito anos, não só proporcionar aos visitantes a oportunidade de conhecer trajetórias de migrantes internacionais e internos, mas também aproximá-las das suas próprias experiências, fomentar diálogos e contribuir para a cultura do respeito e da diversidade.
Em 2022, o Instituto de Preservação e Difusão da História do Café e da Imigração (INCI), Organização Social de Cultura responsável pela gestão do Museu da Imigração perante a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, assumiu como compromisso, para os próximos anos de gestão (2022-2026), a renovação dessa exposição.
Para isso, desenvolveu, durante todo este ano, o projeto "8 anos depois de Migrar: experiências, memórias e identidades", que teve como proposta promover e documentar debates, com as avaliações críticas dos parceiros da instituição acerca da atual exposição de longa duração.
Desde a reabertura do Museu da Imigração, em 2014, os diversos parceiros, representando variados setores da sociedade – como os grupos de migrantes organizados, as instituições voltadas ao tema das migrações, as autoridades públicas e a comunidade acadêmica –, vêm não só acompanhando a programação museológica promovida, mas propondo e incluindo novos temas e abordagens na agenda.
Assim, entre maio e outubro de 2022, a equipe do Museu organizou visitas técnicas à exposição com esses parceiros, seguidas de conversas em roda, onde cada um foi convidado a expor uma visão crítica sobre a atual mostra.
Durante os debates que seguiram após a visita à exposição, os participantes foram incitados a responder às seguintes questões: a) Se pudesse resumir em um parágrafo, qual seria a narrativa expográfica da atual exposição de longa duração Migrar: experiências, memórias e identidades?; b) Na atual exposição de longa duração, quais grupos não têm retratados a sua experiência migratória?; c) Que âmbitos da vida (trabalho, lazer, vida familiar, entre outros) estão representados na exposição e de que maneira?, d) De que maneira o acervo museológico está acionado dentro da narrativa expositiva? e e) De que maneira a diversidade é retratada na atual exposição de longa duração?.
As cinco rodas de conversas foram gravadas e transcritas, gerando um material de, aproximadamente, 5 horas e 30 minutos de gravação e 130 laudas.
10 conclusões principais do projeto "8 anos depois de Migrar: experiências, memórias e identidades"
1. A atual exposição de longa duração do Museu da Imigração não superou o desafio colocado em 2014, explicitado no plano museológico da época, de tratar das migrações como um fenômeno humano, para além das migrações históricas. A Nova Exposição de Longa Duração do Museu da Imigração (NELD-MI) poderá enfrentar essa limitação;
2. Em relação às migrações históricas, as escutas apontaram para a necessidade de desfazer a errônea compreensão veiculada pela atual exposição de que migração histórica é a "Grande Imigração" (século XIX com origem européia). Ao evitar essa falsa equivalência, será possível equilibrar a narrativa, dando espaço para as migrações internas, os deslocamentos negros e indígenas e as migrações contemporâneas;
3. As atividades de escuta apontaram para uma insuficiência da abordagem dada à história do edifício que abriga o Museu da Imigração. Nesse sentido, foi sugerido trabalhar os dois aspectos que, apesar de aparentemente contraditórios, potencializam a narrativa sobre esse patrimônio: por um lado, o contexto histórico do projeto de embranquecimento que o gerou e, por outro, o exemplo único que ele representa, de execução de uma política pública voltada para o acolhimento de migrantes nacionais e internacionais;
4. Durante as atividades de escuta, foi reconhecida a importância de seguir explorando o caráter afetivo em torno das memórias individuais sobre as migrações. No entanto, é necessário ampliar tal noção de memória, oferecendo essa conexão também às memórias individuais de migrantes internos, povos negros e indígenas e migrantes contemporâneos;
5. O acervo da instituição (objetos museológicos e documentos) e àqueles vinculados à memória das migrações históricas (Arquivo Público do Estado) precisam ser acionados na nova exposição em um registro que vá para além do uso cenográfico. Nesse sentido, foram apontados como possibilidades: a construção de vínculos dos objetos com narrativas pessoais e a utilização de recursos artísticos (encenações e literatura), além da utilização de objetos tomados por empréstimo de outros museus e instituições das comunidades (caso, principalmente, dos deslocamentos negros e indígenas e migrantes internacionais contemporâneos);
6. Foi percebida a necessidade de acionar os objetos museológicos de maneira mais bem distribuída ao longo da nova exposição, evitando interpretações que indiquem maior peso narrativo dado para alguns fenômenos migratórios em detrimento de outros;
7. Na atual exposição de longa duração, ressente-se de marcos interpretativos apoiados na história nacional. Nesse sentido, foram mencionados elementos históricos importantes como o projeto de embranquecimento da população, a lei de terras que reorganizou o território sobre o qual se deram as migrações, os projetos urbanos higienistas e os projetos econômicos que reorganizaram os fluxos humanos, assim como os projetos dos povos negros e indígenas, que também utilizaram o deslocamento como forma de resistência;
8. Foi indicado que a Nova Lei de Migração (L13445/2017) é elemento fundamental para trazer as migrações contemporâneas para a NELD-MI, oferecendo ao público uma informação atualizada, pertinente sobre o cenário mais recente das migrações, a partir da perspectiva dos Direitos Humanos;
9. Ao trazer mais experiências pessoais, sugere-se dar maior equilíbrio à narrativa curatorial, envolvendo também a experiência feminina, das crianças e da população LGBTQI +, de maneira transversal e bem distribuída entre diferentes temáticas e recortes temporais;
10. As migrações contemporâneas estão subrepresentadas na atual exposição de longa duração. As migrações forçadas e o refúgio, como um todo, estão ausentes. Para a NELD-MI, foi sugerida a possibilidade de explorar melhor tanto histórias individuais e de lideranças reconhecidas no cenário migratório (o acervo de HO dá apoio a essa sugestão), assim como uma apresentação mais detalhada da experiência de cada uma das comunidades e coletividades.
Em breve, disponibilizaremos ao público na íntegra o dossiê "8 anos depois de Migrar: experiências , memórias e identidades", com mais detalhes sobre o projeto e as transcrições dos encontros. Acompanhe as redes do Museu e siga participando desse processo de renovação da exposição de longa duração.