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Trabalho além da fronteira em Belfast e no pós-pandemia: mobilidade atual recoloca dilema familiar realçado em filme
Por Mario Luis Grangeia
Pelos olhos do protagonista de 9 anos, o filme Belfast (2021) revela uma infância cercada por intolerância religiosa e desemprego na Irlanda do Norte de 1969. É tocante, por exemplo, ver Buddy e seu pai se despedindo a cada ida do marceneiro endividado para o ganha-pão em Londres. Só vão se rever dali a uma quinzena ou mais, segundo o roteiro inspirado na família do diretor Kenneth Branagh, vencedor do Oscar de roteiro original. Entre os vaivéns, os pais de Buddy vivem um dilema: emigrar por trabalho seria o ideal?
Ao forçar o trabalho remoto de tantos, a pandemia de covid-19 evidenciou a mobilidade disponível a mais profissionais e famílias. A conectividade atual permite amenizar (e até inibir) afastamentos como no lar de Buddy. Com patrões e empregados revendo custos-benefícios, seria cabível ouvir "trabalhadores do mundo, dispersai-vos". O capital já se globalizou; agora começa a globalização do trabalho, como bem nota Branko Milanovic[1].
Trabalhadores com outro passaporte têm encarado muitos obstáculos até aqui. Estados, empresas e cidadãos são desafiados pela exploração da mão-de-obra e pelo alcance dos direitos. Porém, não são os únicos desafios que dispensam a ficção para serem ilustrados: além das forças econômicas e legislações, fatores culturais estão em jogo. Ao pesquisar como imigrantes retratam a vida no Brasil, vi relatos de integração não imunes ao preconceito. Embora o ir-e-vir em fronteiras seja uma pauta de sempre, parece mais sujeita a intolerâncias. A aversão ao "Outro" (protestantes/católicos, nacionais/estrangeiros etc.) é lamentável e, com o trabalho globalizado, cumpre reprimir melhor quem discrimina por nacionalidade.
Mudar de país ainda gera receios como os da mãe de Buddy de não soar inglesa e sentir-se deslocada. Mas não é mais um horizonte sem referências como no filme. Algo certo é que o bem-estar de quem vai ou vem só estará garantido quando não tomarmos estrangeiros como ameaças. Buddy até tentou não hierarquizar religiões.
Mario Luis Granjeira é Doutor em Sociologia (UFRJ), analista de comunicação do MPF e pesquisador do Albert Hirschman Centre on Democracy (Graduate Institute of Geneva).
Crédito foto da chamada: jackmac34 via Pixabay. | Conta com tarja preta, no canto inferior esquerdo, escrito CHAMADA "MOBILIDADE HUMANA E CORONAVÍRUS" em branco.
Os artigos publicados na série Mobilidade Humana e Coronavírus não traduzem necessariamente a opinião do Museu da Imigração do Estado de São Paulo. A disponibilização de textos autorais faz parte do nosso comprometimento com a abertura ao debate e a construção de diálogos referentes ao fenômeno migratório na contemporaneidade.
Referência
[1] https://socialeurope.eu/the-beginning-of-a-new-globalisation.
A chamada "Mobilidade Humana e Coronavírus" é uma iniciativa do Museu da Imigração para divulgação de artigos, ensaios e materiais visuais selecionados, por meio de edital aberto entre fevereiro e abril de 2022. Dando continuidade à proposta desenvolvida na série homônima, seguiremos debatendo e refletindo sobre os impactos da pandemia para as migrações e demais mobilidades.