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Possibilidades educativas em museus de história: Desafios na mediação da história
Em parceria com o Serviço de Atividades Educativas do Museu do Ipiranga, o Núcleo Educativo do Museu da Imigração desenvolveu entre os anos de 2017 e 2018 encontros de formação para debater o potencial educativo presente nos museus de história. Ao longo das ações foram investigados os principais aspectos encontrados no trabalho de mediação cultural e apresentadas as propostas educativas elaboradas pelos profissionais de ambas instituições.
Para relembrar essa parceria, bem como suas contribuições para a área de educação em museus, a série Possibilidades Educativas em Museus de História, apresentará em quatro publicações alguns conteúdos debatidos durante os encontros, bem como reflexões surgidas em decorrência dos debates.
O mediador é aquele que se coloca entre duas partes. Espera-se, desse sujeito, a capacidade comunicativa de, ao encarar uma situação, extrair reflexões e promover trocas entre as partes envolvidas. O exercício da mediação é uma das tarefas desempenhadas por educadores dentro e fora da sala de aula e, devido à sua complexidade, carrega desafios gigantescos.
No Brasil, os educadores museais costumam integrar sua formação individual (geralmente, constituída no campo das ciências humanas) aos estudos da arte/educação. Para entender o porquê desse percurso, é necessário olhar para a década de 1980, quando a arte educadora Ana Mae Barbosa revolucionou o campo de ensino da arte desenvolvendo uma proposta pedagógica que ficou conhecida como "Abordagem Triangular". Desde então, sua contribuição adentrou os núcleos de educação em museus e outros espaços culturais e se apresenta como base para o desenvolvimento de atividades educativas.
A Abordagem Triangular propõe, em um primeiro momento, que o aprendizado artístico ocorra em três etapas, sendo a primeira relacionada com a produção artística, a segunda com uma contextualização que parte da história da arte e a terceira a partir da apreciação e da leitura das obras[1]. Quando deixou o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo em 1993, Ana Mae argumentou que seria possível expandir a Abordagem Triangular, levando sua aplicabilidade para qualquer outro museu: esse, no entanto, deveria ter sido um momento de maior apropriação dos estudos de Barbosa, com o intuito de que a abordagem não fosse replicada em outros espaços sem reflexões mais profundas sobre as mudanças e adaptações necessárias.
A aplicação da Abordagem Triangular parte do trabalho da mediação: temos de um lado o espectador e do outro a obra de arte, sendo o educador o agente mediador. Quando levamos a proposta metodológica para outros espaços, instintivamente procuramos por um objeto artístico a ser mediado. Alguns museus de história apresentam incríveis telas à óleo que, não por acaso, são as favoritas de educadores formados a partir dessa abordagem metodológica. Mas e quando o museu não possui objeto artístico? Quais abordagens podemos aplicar para mediar documentos e arquivos históricos, por exemplo? E quando a materialidade do objeto da mediação não existe, ou seja, o que deve ser mediado está no campo do invisível?
Em uma das edições da formação Possibilidades Educativas em Museus de História, desenvolvida em parceria pelos núcleos de educação do Museu da Imigração e do Museu do Ipiranga, além de discutirmos as indagações acima, também elaboramos um mapa mental, conectando e confrontando os principais desafios encontrados no trabalho com a história. Enfrentar as acusações de "doutrinador" que recebe o mediador de história destacou-se como um dos grandes desafios, sendo que, nos últimos anos, fatores políticos corroboraram para sua intensificação. Desde 2004, grupos políticos pautam a construção de um projeto de lei com o intuito de coibir o livre ensino das ciências humanas em sala de aula. No cenário político atual, é possível observar tentativas[2] cada vez mais incisivas de aprovar tal medida, acarretando perseguição e constrangimento a professores de diversas redes de ensino e, por consequência, a profissionais de museus, uma vez que estes compartilham o público escolar.
Outro desafio apontado por educadores é a perda de espaço para reflexões sobre contra narrativas e revisões historiográficas, uma vez que estes profissionais, ao trabalharem com conteúdos prontos, como exposições museológicas e materiais pedagógicos, são mais uma vez constrangidos e deslegitimados quando confrontam o que chamamos de história oficial.
A história, enquanto disciplina, tem por anseio articular passado e presente, abrindo a possibilidade de discutir assuntos de caráter social. Ela se coloca como "uma construção que reflete os interesses dos grupos sociais dominantes"[3] e, conforme analisou o historiador Antonie Proust, é impossível opinar de forma superficial e à distância[4]. Nesse sentido, o mediador da história precisa se munir de metodologias historiográficas e, mais do que nunca, posicioná-las como objeto a ser estudado e mediado com liberdade de reflexão.
Em nossa próxima publicação, discutiremos as parcerias e os conflitos entre educadores de "espaços formais e não formais", que, embora compartilhem opiniões quanto à tarefa de mediar a história, muitas vezes divergem na maneira com que observam o espaço do museu e o seu papel na construção de metodologias pedagógicas.
Referências bibliográficas
[1] CHAGAS, Valéria Cristina dos Santos. Infância no museu: investigando a vivência das crianças em espaços expositivos. 2019. 90f. Trabalho de conclusão de curso – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2019.
[2] Artigo de 2019 da Revista Nova Escola comenta sobre o projeto parlamentar, bem como seu histórico de tramitação na Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2019/12/escola-sem-partido-em-porto-alegre-e-aprovado-mas-suspenso-pela-justica-por-aline-kerber/. Acesso em 23 jun. 2020.
[3] PRESTES, Anita Leocádia. O historiador perante a história oficial . Germinal: marxismo e educação em Debate, v. 2, n. 1, p. 91-96, 2010.
[4] PROST, Antoine. Doze lições sobre a história . 2ª ed.- Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.