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Mulheres e migração: a construção de uma exposição
No último texto da série “Mulheres e Migração”, apresentamos o processo de construção de nossa nova exposição temporária, que iremos inaugurar em breve! Intitulada “Mulheres em Movimento”, essa exposição fechará o nosso ano de pesquisa em torno do tema, apresentando documentação textual, fotografias, objetos e muitos dados sobre a migração feminina no passado e no presente.
A migração é uma experiência vivenciada das mais diferentes maneiras, de acordo com o sujeito e seu contexto. A vivência feminina nas migrações é repleta de especificidades, ao contrário do que se pode deixar entrever a imagem de um migrante universal. No momento de definir nosso escopo temporal, consideramos a necessidade de explorar o tema de forma ampla, para que nossos visitantes compreendam o protagonismo feminino a partir da experiência da longa duração histórica. Dessa forma, a exposição foi pensada para contemplar desde o contexto em torno da inauguração e funcionamento da Hospedaria de Imigrantes do Brás, até a cena migratória contemporânea e sua presença no atual Museu da Imigração.
O primeiro eixo da exposição irá tratar do passado, ou seja, das mulheres em torno da história da Hospedaria. Ao investigarmos essa história e nossa documentação, a força da representação feminina se faz presente. Ela é evidenciada pelas inúmeras fotografias de mulheres dentro de seus muros e nos núcleos coloniais, pelos múltiplos nomes nos registros de matrícula e por diversas cartas de chamada. O incentivo à migração familiar no final do século XIX e início do XX colocou as mulheres no centro dessa reconfiguração social, ainda que muitas vezes seus nomes e sobrenomes tenham sido ocultados em detrimento daqueles de seus maridos. Seja cuidando da família com seu trabalho não remunerado, seja no exercício de ofícios urbanos como costureiras, lavadeiras, enfermeiras, parteiras, secretárias, ou como trabalhadoras nas lavouras, apresentaremos algumas facetas dessas mulheres do passado, suas ações e relevância na construção de nossa sociedade.
Mas a presença feminina na história deste edifício não se deu apenas pela passagem de inúmeras mulheres acolhidas pela Hospedaria de Imigrantes do Brás ou funcionárias da mesma instituição. Ela se materializa nas inúmeras coleções do Museu da Imigração e caracteriza de forma bastante intensa o acervo museológico, composto em grande parte por doações de migrantes e descendentes – dentre os quais, muitas mulheres. Pensando nisso, o segundo eixo da exposição irá apresentar os rastros da migração feminina na coleção de objetos do Museu da Imigração. Majoritariamente pertencentes ao século XX, são inúmeros os itens que evidenciam a presença feminina dos espaços privados, elucidando tanto a subordinação ao ambiente doméstico, quanto as formas de agência destas mulheres em seus restritos espaços de ação. Os objetos que apresentam materiais e estampas delicados representam um grupo social bastante específico e não abarcam toda a diversidade cultural e econômica da - sempre em construção - sociedade brasileira. Quais são as mulheres migrantes que você consegue ver através destes objetos? Buscando refletir sobre essa pergunta, apresentaremos três categorias de artefatos: aqueles relacionados ao estereótipo da feminilidade presentes nas casas e no corpo das mulheres; aqueles relacionados ao universo da cultura escrita; aqueles relacionados a ofícios comumente exercidos pelas mulheres migrantes.
Por fim, o terceiro eixo da exposição apresentará o presente e a migração feminina na cidade de São Paulo. Abordaremos a presença feminina nas migrações no período contemporâneo a partir de dados gerais e ações realizadas pelo MI que evidenciem a presença e a força das ações de mulheres nesse cenário. Atentando também para os inúmeros obstáculos da condição de mulher migrante – como violências, machismo, xenofobia, preconceito, entraves financeiros, linguísticos etc., consideramos importante evidenciar que, muitas vezes silenciadas, as vozes femininas nunca deixaram de existir. As mulheres encontram formas diversas de se comunicar, fazendo circular informações, recursos e afetos. Por meio das expressões artísticas e culturais, fazem presente um modo de conviver, de estar no mundo. Ao se dirigirem a sociedade, protagonizam a cena da busca por melhores condições de vida, manifestando seus direitos, desejos e lutando por um futuro mais justo. Por meio de inúmeras ações e participação em atividades, são essas mulheres que nos ajudam a construir e reconstruir o atual Museu da Imigração.
Além de apresentar todo o trabalho de pesquisa desenvolvido pela equipe do Museu ao longo do ano, objetivamos, com essa exposição, trazer à tona as inúmeras possibilidades de olhar para essas mulheres e refletir sobre suas formas de existência. As maneiras como essas histórias foram preservadas podem ser reveladoras da complexidade de se estudar uma história das mulheres. Por sua vez, a comunicação dessas vivências por meio de uma exposição é uma oportunidade privilegiada para transformar nossos olhares e nos aproximarmos das trajetórias destas, tantas vezes invisibilizadas, mulheres na migração.