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Encontros com o Acervo: Cultura alimentar coreana com chef João Son
Por Thiago Haruo Santos
Em 24 de março de 2023, foi realizada mais uma edição do "Encontros com o Acervo", projeto desenvolvido pelo Museu da Imigração desde a sua reabertura em 2014, que visa a qualificação dos acervos salvaguardados pela instituição. A metodologia da atividade é baseada na interação com pessoas migrantes e grupos sociais, que vivenciaram o contexto no qual os itens do acervo foram culturalmente significados, especialistas e pesquisadores. Do encontro, é feito um registro audiovisual, disponível para outros pesquisadores e interessados no tema.
Dessa vez, o assunto escolhido foi a "Cultura alimentar coreana". No contexto da comemoração do 60º aniversário da imigração oficial com origem naquele país, a equipe técnica do Museu decidiu explorar o universo da alimentar daquela comunidade, trazendo para a discussão 14 itens, que iam de potes de cerâmica, caldeiras e colheres de madeira a pilão e moenda. O convidado para a atividade foi o chef João Son, professor e autor do livro Hansik, 50 receitas da culinária coreana reveladas por João Son.
Antes de tudo, para tratar da cultura alimentar de um país, é necessário levar em consideração a sua dimensão, as características geográficas do seu território e o clima. Foi assim que o chef João Son iniciou a sua apresentação. A Coreia do Sul, de acordo com ele, é um país relativamente pequeno, predominantemente coberto por montanhas. Isso tem uma correlação direta com a escassez de terras aráveis ou dedicadas à agropecuária. Os legumes e os brotos, dessa maneira, ganham importância fundamental na cultura alimentar daquele país. Outra característica ressaltada pelo chef foi a amplitude térmica. Isso, segundo o convidado, se refletiu em um "temperamento" (psicológico-cultural) "bem temperamental", "bem decidido" e pragmático.
A urbanização na Coreia do Sul ocorreu em um curto período de 30 anos. Esse processo acelerado acarretou mudanças bruscas nos hábitos de alimentação e de preparo, refletindo também em um novo modo de vida predominantemente citadino. Os objetos apresentados na ação, vinculados a um período anterior a esse profundo processo de mudança social, remetem a um ambiente rural, não sendo mais utilizados nas cidades.
As lembranças relacionadas às pessoas que utilizavam esses objetos, por sua vez, foram vinculadas às pessoas de gerações passadas, que normalmente viviam em áreas rurais, em um registro nostálgico. Uma das recorrências ao longo da atividade foi a menção pelo chef da lembrança da sua própria mãe. Por se tratarem de objetos, no geral, utilizados pela geração anterior à sua, os itens geravam esse tipo recordação afetiva.
Constatou-se, nesse sentido, que os objetos apresentados na ocasião, de uma maneira geral, estão atualmente em desuso tanto na Coreia do Sul quanto na comunidade coreana em São Paulo. A maior parte deles faz parte de um imaginário de um passado recente ou foi modernizada/transformada em versões adaptadas à realidade atual, movidas à base de energia elétrica e mais portáteis. Segundo o chef, isso diz muito sobre a forma em que se elabora sobre a tradição na Coreia do Sul: apesar de considerá-la importante, "não ficam apegados" a determinada forma de fazer ou objeto.
Por fim, ao tratar do uso das tigelas de aço para consumo, principalmente, de arroz e sopas, Son explicou como funciona a categorização de materiais nessa cultura alimentar. O ferro, diferentemente dos países vizinhos, é obtido em abundância na Coreia. Por isso, por muito tempo predominou a produção de utensílios com esse material. A porcelana, por sua vez, é relacionada a um dos reinos mais longevos da Coreia, a dinastia Joseon (1392 - 1910). O aço foi introduzido no período mais recente, decorrente da destruição causada pelas várias guerras e inovação via industrialização. O latão, por sua vez é considerado um material raro, sendo de alto custo. Não se utiliza muito cobre e madeira nessa cultura alimentar.
O projeto "Encontros com o Acervo" mostrou, mais uma vez, que a materialidade das culturas envolve diversos conhecimentos: geográficos, climatológicos e sociológicos sobre os costumes, as lendas e as histórias. No contexto migratório, todas essas dimensões fazem parte do vínculo com o país de origem, mas também com a forma em que vivem e se desenvolvem comunidades no país de destino. Por meio desse projeto, que abre diálogos com as pessoas migrantes e os seus grupos sociais, pretendemos seguir aprofundando nossas pesquisas sobre o acervo museológico, promovendo cada vez mais o conhecimento e a reflexão sobre as migrações humanas.