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Por que arquivamos?
Um relato sobre a importância dos arquivos e de seus instrumentos de pesquisa
por Gabriela Gentil
Documento de arquivo é todo documento produzido e acumulado em decorrência das atividades de uma instituição ou pessoa, de modo a constituir prova ou informação [1]. Essa definição é bastante ampla, aceitando os mais diversos objetos como parte de um arquivo, independente de suporte ou forma. Contempla desde um documento textual raro até uma caneta aparentemente comum, sob condição de que faça sentido na coleção.
Então, qual seria a diferença de um documento que faz parte de um arquivo para um documento que faz parte de uma coleção museológica?
A principal diferença diz respeito à metodologia escolhida para trabalhar com os objetos. Enquanto a Museologia olha o objeto de forma individual, refletindo sobre seu assunto específico, a Arquivologia busca entender o objeto dentro de sua série, com um olhar fixo nas funções e atividades que o documento reflete.
Outra especificidade do arquivo é que existem princípios básicos a serem garantidos, para assegurar a confiabilidade da coleção [2]:
- Proveniência: os documentos são criados de acordo com as atividades e funções desenvolvidas pelo produtor;
- Organicidade: os documentos têm uma relação orgânica entre si, acumulados de forma natural e interdependente, refletindo as atividades de origem;
- Unicidade: cada documento é único na estrutura do arquivo, ainda que agrupado em conjunto;
- Integridade: os documentos não podem ser separados de seus conjuntos, o controle da guarda deve refletir as relações orgânicas;
- Indivisibilidade: os componentes de um documento não podem ser dispersos em conjuntos arquivísticos diferentes;
- Autenticidade: os documentos precisam conter as estruturas que atestem veracidade, como por exemplo: assinaturas, cabeçalhos, selos, links de verificação; todo processo de criação, manutenção e custódia segue procedimentos normatizados [3].
O Arquivo do Museu da Imigração tem caráter administrativo, sendo assim, seu objetivo é a preservação da memória institucional, a partir da guarda de documentos de cada um dos setores.
Alguns exemplos de documentos guardados são: ofícios, projetos de financiamento, fotografias de exposições, dossiês de cursos de formação, recortes de jornal sobre a instituição, gravações de eventos e muitos outros.
Esses documentos estão organizados em dois fundos: o Fundo Memorial do Imigrante, com documentos produzidos entre os anos de 1993 e 2010, e o Fundo Museu da Imigração, com documentos a partir de 2011. A última estimativa do tamanho do acervo foi de cerca de 65 metros lineares.
Assim como todo arquivo, o Arquivo do Museu da Imigração possui duas funções concomitantes: guarda e acesso.
É primordial que o arquivo garanta a preservação dos documentos sob sua tutela, assim como a preservação das informações que ali estão apresentadas. Isso é feito através de condições de guarda adequadas, que permitam sua utilização a longo prazo, desde o acondicionamento ideal para cada suporte até a análise e o registro de seus metadados.
E são justamente essas informações que possibilitarão a criação de instrumentos de pesquisa, que proporcionam o acesso do público, garantindo a transparência no fornecimento das informações, seja para administração pública, seja para pesquisadores científicos e público geral.
Atualmente, o Arquivo do Museu da Imigração possui como instrumento de pesquisa um breve guia, contendo uma descrição enxuta de seus fundos e gêneros documentais [4].
Esse guia é a forma principal dos pesquisadores entrarem em contato com acervo, e justamente por isso, é necessário maior desenvolvimento desse material. Um guia mais detalhado permite maior autonomia no momento da pesquisa, deixando o arquivista apenas como um suporte para essa busca, e não o protagonista.
Além disso, foi diagnosticada a necessidade da criação de um sistema de arranjo que inclua todos os documentos desse acervo, e que possibilite um conhecimento mais detalhado do que se tem na coleção.
Assim, juntando essas duas necessidades, foi determinado um novo plano de trabalho para o Arquivo Institucional, que consiste em fazer a identificação, classificação e descrição documental, e munido dessas novas informações, atualizar o guia de acervo.
Nessa primeira etapa, são analisados os seguintes elementos extrínsecos e intrínsecos dos documentos:
- gênero documental;
- produtor: núcleo, instituição ou pessoa responsável pela autoria (no caso de correspondências ou notas fiscais, a análise engloba remetente/destinatário e cliente/prestador de serviços);
- data tópica e data cronológica;
- finalidade da produção: de qual atividade o documento é produto;
- análise diplomática e tipológica: estudo da gênese documental, a partir da compreensão da espécie e função geradora, que resulta na atribuição de um novo título padronizado para os documentos;
- descrição do conteúdo ou tema principal;
- e análise da relação com outros documentos do acervo.
Em seguida é utilizado o Plano de Classificação e Tabela de Temporalidade [5], para definição de prazos de guarda, seguindo critérios jurídicos e também de necessidade específica dos núcleos, além de definição das séries.
Para realização dessas atividades, usa-se também textos de apoio, como por exemplo: o Dicionário de Terminologia Arquivística, a Norma Brasileira de Descrição Arquivística - NOBRADE, e textos básicos da área, como por exemplo os Manuais “Como Fazer”, criados pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Ao determinar quais normas serão seguidas no processo, garante-se que os documentos não serão analisados de forma particular, e sim padronizada, diminuindo as possibilidades de perdas de informação.
Esse trabalho de estudo e coleta de informações produz fichas de identificação de acervo (que irão compor um fichário, junto com a localização topográfica), e também uma planilha de controle; e a partir desses documentos que o guia será atualizado.
A escolha pelo guia foi motivada pelo fato deste ser um documento “guarda-chuva”, ao mesmo tempo que apresenta a coleção arquivística de maneira mais geral, também apresenta o histórico da instituição e os procedimentos de pesquisa.
Mas existem outros instrumentos de pesquisa possíveis de serem realizados, como por exemplo catálogos e índices, com o diferencial de que são documentos mais específicos, com foco em sub-séries ou sub-grupos, apresentando os documentos de forma individualizada. Esses tipos de documentos costumam ser feitos para documentos mais consultados, permitindo um maior desenvolvimento da coleção.
Como toda grande instituição, existe um fluxo de produção documental alto, e consequentemente acaba-se acumulando massa documental sem avaliação. O maior desafio é dar conta dessa demanda, mantendo o trabalho arquivístico minucioso e de qualidade. Incluindo nisso a produção de documentos em formatos digitais, que além do risco de obsolescência, seguem outros ritmos de criação e guarda.
Confiar os documentos em um arquivo, não é apenas retirar os documentos não utilizados de suas áreas produtoras, mas admitir o valor secundário existente neles, e por isso a necessidade da sua preservação a longo prazo, assim como um acesso eficiente, que permita a recuperação das informações. Um arquivo que aplica as metodologias adequadas possibilita que haja melhor usufruto dos acervos, não sendo apenas um espaço para guardar as fontes do conhecimento, mas também onde haverá produção dele. Os instrumentos de pesquisa têm papel central nisso, porque a partir deles há transparência e autonomia das pesquisas, transformando este num espaço de memória e confirmação de direitos.
Notas
[1] PAES, Marilena Leite. Arquivo: teoria e prática. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
[2] O nome desses atributos pode modificar conforme o autor, entretanto os conceitos se mantêm. Esse texto segue a conceituação presente em: BELLOTTO, Heloísa Liberalli. A diplomática como chave da teoria arquivística. Archeion Online, João Pessoa, v.3, n.2, p.4-13, jul/dez, 2015.
[3] O princípio da autenticidade não corresponde à veracidade de um documento. Um documento pode conter informações falsas e/ou manipuladas (factualmente incorreto), e ainda assim ser diplomaticamente autêntico, por seguir os critérios estéticos e teóricos de validação.
[4] MUSEU DA IMIGRAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Guia de Fundos do Museu da Imigração. Disponível em: https://museudaimigracao.org.br/uploads/portal/avulso/arquivos/ arquivo-institucional-mi-09-03-2020-14-55.pdf .
[5] Cada instituição utiliza o Plano de Classificação e a Tabela de Temporalidade mais adequados para si, de acordo com as legislações existentes e órgãos a que são subordinados. No caso do Museu da Imigração, usa-se Plano de Classificação e Tabela de Temporalidade de Documentos da Administração Pública para atividade-meio e da Secretaria da Cultura para atividade fim.