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Quando o Museu vai à escola
Por Bruna Marques e Guilherme Ramalho
O Núcleo Educativo do Museu da Imigração trabalha em diferentes frentes, pesquisando e elaborando atividades e projetos específicos para os públicos variados da instituição: estudantes, idosos, pessoas com deficiência, em situação de vulnerabilidade social, migrantes e pessoas em situação de refúgio na cidade de São Paulo. As iniciativas são sempre pautadas por uma perspectiva de direitos humanos e de proporcionar acesso não só às coleções museológicas (a exemplo das tratadas em certos posts, como esses aqui), mas também aos temas transversais de discussão que circundam o cotidiano de um museu que trata sobre a mobilidade humana: fronteira, migração, refúgio, xenofobia, racismo, entre outros.
Esse é o primeiro material de uma série em que trataremos de algumas das nossas propostas. Aqui, em específico, vamos falar do "Museu vai à escola" (MVE), que já passou por muitas configurações desde as suas primeiras edições, em 2017, e que, agora, ganha novos contornos com uma chamada em aberto para a inscrição de escolas, que será lançada em breve nas mídias sociais do Museu.
O MVE surge da vontade do Núcleo Educativo em se aproximar e conhecer o funcionamento e o cotidiano das escolas do município de São Paulo, o espaço em que se localizam e o modo como se relacionam socialmente com o patrimônio cultural, a cidade e as questões identitárias. Ele faz parte do Programa de Público Escolar e tem a finalidade de expandir a presença física dos educadores para além da visitação ao Museu. A cada edição, a proposta é modelada às necessidades da escola parceira, tendo em vista a localização da escola, o perfil dos estudantes (faixa etária, ciclo escolar, classe social, entre outros) e os assuntos trabalhados nas disciplinas que abraçam o projeto.
Diferente da perspectiva normalmente empregada nas visitas educativas regulares ao Museu, em que os educadores recebem grupos de estudantes para conversar sobre as exposições e facetas do espaço museal em si, o MVE leva a equipe ao encontro do universo escolar e se propõe a realizar atividades que promovam reflexões sobre os temas que transitam pelo MI e que, também, acolham as necessidades da escola, como calendário escolar, disponibilidade dos professores para reuniões, ambientes úteis para realização das ações, entre outras especificidades que são únicas de cada instituição. Isso, em si, já provoca uma mudança significativa de relação entre o educador e o grupo: ao conhecer o espaço em que esses alunos e alunas estudam, é possível entender um pouco mais da dinâmica que estabelecem com a experiência educativa, assim como as suas potencialidades e limitações.
Estar nas escolas nos faz entender, enquanto educadores, as dificuldades encontradas por professoras e professores no cotidiano escolar, tendo em vista a estrutura dos espaços, o número de alunos por sala e as ferramentas disponíveis para trabalhar cada tema do currículo. Se encaixa, de maneira mais abrangente, com ampla bibliografia que travamos contato ao longo desse período de elaboração do projeto, como a perspectiva educadora pautada na Carta das Cidades Educadoras (Barcelona, 1990), que pensa em um grupo de atores e instituições trabalhando em conjunto para a criação de uma cidade acolhedora para as crianças, bem como perspectivas que refletem sobre a função social dos museus enquanto espaço educativo[1].
Como dito antes, o projeto já passou por muitas configurações e adaptações desde a sua primeira aplicação, em 2017. Se lá no começo era pensado em formato de um "curso", uma formação com alunos dentro de uma temática pré-estabelecida, como foi a experiência na E.E. Ministro Costa Manso em sua primeira edição, em que os educadores abordaram as narrativas midiáticas em torno das questões migratórias no Brasil, hoje ele abarca uma série de reflexões sobre como podemos desenvolver as potencialidades dessas temáticas na escola, utilizando metodologias e ferramentas normalmente empregadas por museus na difusão de seus acervos e coleções.
O projeto tem se desdobrado, ao longo dos últimos anos, em uma série de pesquisas educativas sempre em diálogo com a necessidade das escolas selecionadas, pensando como as tarefas realizadas por museus – de pesquisa, catalogação e curadoria dos acervos até a sua finalização enquanto uma exposição – podem ser utilizadas como ferramentas educativas por professores e professoras em sala de aula. A partir desse contato, é possível tornar o estudante participante das propostas de elaboração de coleções museológicas próprias, ao facilitar o entendimento de como a escola e o corpo escolar podem, por si, usar essa linguagem para organizar as suas próprias memórias. Ainda em construção, essa proposta de trabalho passa por constantes mudanças a cada edição.
Ao longo da sua elaboração, muitas foram as contribuições e mudanças provocadas por esses encontros. Em especial, destacamos aqui a experiência de trabalho com a EMEI José Bonifácio de Andrada e Silva, em que a acolhida do corpo escolar se deu em duas etapas: primeiramente, em um grupo de estudos com professoras da escola, que atendiam crianças nos primeiros anos da educação infantil, em que se discutiu, entre outros temas, o conceito de cidades educadoras e como tornar o espaço urbano um lugar mais acolhedor para crianças. Em segundo momento, já no trabalho direto com as crianças, a adaptação de uma exposição que não era acolhedora para crianças pequenas, pensando estratégias de visitação a partir de jogos e atividades no jardim, além de uma conversa anterior sobre o que é um museu e o porquê colecionamos. Parte dessas propostas podem ser vistas no YouTube, em um vídeo curto gravado sobre as ações.
A edição de 2019 do projeto foi realizada com a escola EMEF Henrique Pegado, que fica no Jardim Penha, na Zona Leste de São Paulo. Os temas desenvolvidos – América Latina, xenofobia, migração contemporânea e identidade – foram demandas trazidas por alunos e professores, sendo ponto de partida para a elaboração do material desenvolvido, especialmente, para essa edição. Nomeado "Abya Yala" – que, na língua do povo Kuna, significa "terra madura" e é sinônimo de América –, o conteúdo apresenta cenas cotidianas de xenofobia, preconceito e racismo, com o objetivo de auxiliar os alunos a identificarem essas situações em seu próprio contexto, discutir formas de superá-las e refletir sobre o papel de cada um no acolhimento de pessoas migrantes, principalmente nas escolas.
O projeto, portanto, parte sempre de estudo de interesses entre as escolas envolvidas e as propostas levadas pelo Museu, na tentativa de chegar a um lugar comum que pense o espaço museológico como um terreno de possibilidades e não apenas de fixação do conteúdo trabalhado no currículo escolar, entendendo que a possibilidade de trabalhar múltiplas linguagens no aprendizado escolar é essencial para o desenvolvimento e apreensão dos alunos. O Museu, como local que promove a reflexão daqueles que o visitam, também pode levar uma parte desse conceito para dentro das escolas.
A iniciativa ganhou um corpo significativo a partir de 2020, quando foram estabelecidos parâmetros para a criação de uma coleção educativa dentro da Política de Acervo do MI. Para quem não conhece, a Política de Acervo de um museu é um importante instrumento que versa sobre a aquisição, o empréstimo, a transferência, o descarte e o uso de peças da coleção museológica. A partir desse documento, pudemos decidir da melhor forma quais objetos que faziam parte do acervo principal integrariam uma coleção educativa e seriam utilizados em nossas ações. Isso permitiu que uma dessas peças pudesse ser utilizadas pela primeira vez dentro do projeto MVE para uma exposição em parceria com a EMEF Anália Franco, em 2021, formato de projeto que estamos desenvolvendo desde então.
Esse item, uma máquina de costura da marca SINGER, casou perfeitamente com a intenção de integrar a Associação Multiplicando Esperança (AME+), organização que atua no bairro do Belém e que atende crianças migrantes e brasileiras com atividades de reforço escolar, com o empréstimo de uma Arpillera confeccionada por uma aluna participante do projeto e, também, da escola. A Arpillera é feita por meio do processo de costura, com a intenção de relatar algum fato ou alguma história marcante. Com isso, a exposição montada promoveu a interação de alunos e professores, com a finalidade de voltarem os seus olhares para temas que se misturam com o passado e presente.
Agora em 2022, o projeto cresce e ganha novos contornos, com o lançamento da chamada para a inscrição de escolas públicas que queiram recebê-lo. Esperamos que, com esse edital, seja possível democratizar ainda mais o acesso de escolas e estudantes às atividades do Museu da Imigração, privilegiando o acesso às instituições que não dispõem de meios de arcar com transporte e alimentação dos alunos, como as escolas públicas das regiões mais afastadas da grande São Paulo. Todas as informações sobre o edital estarão disponíveis em breve aqui no site.
Essa é só uma das propostas que o Núcleo Educativo desenvolve. E você, o que mais gostaria de saber sobre os trabalhos que fazemos por aqui?
Referência
[1] Em 2021, o Núcleo Educativo elaborou um material voltado para professores, com o objetivo de ser um referencial de pesquisa e subsídio de discussão com os estudantes sobre as questões da prática museal. Neste link, você encontra o conteúdo, assim como as demais referências bibliográficas: https://museudaimigracao.org.br/uploads/portal/educativos/materiais/mus-imi-2021-0067-material-professores-1-compactado-1-13-12-2021-12-10.pdf.
Foto da chamada: alunos da EMEI José Bonifácio de Andrada e Silva em visita ao Museu, 2018 (Registro Núcleo Educativo).