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O tema da nova exposição virtual do Museu da Imigração
Gabriela Araújo – Analista de Pesquisa Jr
Pessoas migram por diversas razões, como a busca por oportunidades de trabalho, a intenção de se reunir com familiares ou fugas de circunstâncias adversas. O Brasil desempenha um papel de destaque na abordagem histórica da migração. A temática migratória, juntamente com as características particulares de cada tipo de deslocamento, constitui sempre um objeto de pesquisa no Museu da Imigração. A equipe de pesquisa do museu tem se dedicado nos últimos meses a examinar a migração sob a perspectiva de refúgio, evidenciando esse aspecto em uma série de artigos para o blog, na investigação do acervo museológico da instituição e na elaboração de uma exposição virtual sobre o tema.
Nos textos, inicialmente foram explorados os elementos que conceituam uma situação de refúgio e as diferenciações em relação à migração e o asilo, contemplando ainda a origem do termo, seu contexto histórico e uma análise das legislações criadas para acolher indivíduos que deixaram suas terras devido a conflitos bélicos. No decorrer deste artigo, abordaremos brevemente o tema do refúgio no período pós-Segunda Guerra Mundial, destacando a pesquisa conduzida ao longo desse período e sintetizada para uma nova exposição virtual, que tem como objetivo apresentar uma documentação inédita, que permitirá ao público compreender melhor a recepção aos refugiados em termos de registros e alguns outros aspectos desse fenômeno.
O conflito de enormes proporções impactou de muitas formas a reorganização geopolítica mundial. A ascensão de regimes extremistas resultou no deslocamento forçado de milhões de pessoas. Segundo o historiador Odair da Cruz Paiva, “os números de refugiados durante a II Guerra Mundial, tanto na Europa quanto no Oriente, é bastante controverso. As cifras geralmente variam entre oito milhões até 70 milhões, dependendo da fonte consultada.” [1].
Nesse contexto, em julho de 1947, é criada a Organização Internacional de Refugiados (O.I.R.), como “agência especializada e incumbida de prestar assistência aos refugiados e deslocados e providenciar-lhes a repatriação e o reestabelecimento” [2] pois:
“Após a II Guerra Mundial, houve o retorno da grande maioria destas populações para suas regiões de origem, entretanto, dados da O. I. R. apontam que em julho de 1947 havia aproximadamente 1.000.000 de refugiados na Alemanha e Áustria ocupadas pelas forças aliadas. Destes, a grande maioria não desejava voltar para suas regiões de origem.” [3]
A presença brasileira nesse período emerge do interesse político em engajar-se nas atividades da comunidade internacional [4]. Neste cenário, o Brasil assumiria a responsabilidade de reassentar refugiados e deslocados de guerra europeus como parte de seus compromissos. Esse comprometimento decorreria da alteração na política migratória vigente, a qual encerraria um período de 15 anos caracterizado por restrições à imigração, devido as políticas ditas de segurança nacional implementadas na Era Vargas.
Tendo em vista esse cenário e cientes das limitações em abordar de forma abrangente um tema complexo, como o pretendido, tornou-se imperativo pensar em estratégias adequadas quanto ao escopo do que seria discutido em uma exposição virtual sobre esse assunto. O processo de curadoria da exposição transcorreu ao longo de aproximadamente um ano, sendo conduzido por meio de um organograma que estabeleceu metas predefinidas para cada mês, incluindo o levantamento de dados em diferentes acervos, pesquisa de artigos, iconografias, relatos de história oral e documentos e itens preservados em nossa reserva técnica. Por fim, definiu-se que a exposição levaria ao conhecimento do público documentos inéditos que pertenceram a refugiados e deslocados de guerra, abrindo um convite à reflexão sobre as burocracias e documentos que envolveram a busca por refúgio no período pós-guerra.
No que diz respeito ao desenvolvimento da curadoria de uma exposição, é necessário também pontuar sobre a intersecção, ou seja, as ações que envolvem, em várias etapas, a participação de diferentes áreas dentro de uma instituição museológica. Dito isto, o momento seguinte a seleção de documentos incluiu o processamento e a digitalização do acervo, em que durante esse processo foi imprescindível a colaboração da equipe de preservação do Museu, que auxiliou com o uso de equipamentos e ofertou todo o suporte técnico necessário . Além do esforço da própria equipe de pesquisa na tarefa de elaborar textos explicativos e legendas, conciliando detalhes históricos e uma linguagem acessível, cada elemento foi trabalhado para garantir uma narrativa mais inteligível para uma exposição em um plataforma virtual.
A plataforma utilizada pertence ao Google Arts&Culture e os registros ao qual o público terá acesso são alguns exemplares selecionados dentro de um vasto acervo museológico, relacionado ao tema do refúgio pós Segunda Guerra Mundial, que incluem documentos como o Laissez-Passer, registros de identidade provisória produzidos pela O.I.R., mencionada no início deste artigo, registros de identidade definitivos, além de carteiras de vacinação e um prato de sobremesa que pertenceu ao exército nazista e que foi saqueado por uma refugiada que teve como destino o Brasil.
Vale ainda ressaltar, entre as características de alguns documentos, o carimbo da Hospedaria Provisória de Campo Limpo Paulista. O local funcionou entre 1947 e 1951 e é pouco conhecido pelo público familiarizado com o Museu da Imigração e a história da Hospedaria de Imigrantes do Brás, que nesse período estava convertida na Escola Técnica de Aviação [7].
A exposição, que em breve será publicada na plataforma Google Arts&Culture, realiza uma análise concisa sobre o fenômeno migratório relacionado ao refúgio e à apatridia, no contexto do acervo do Museu da Imigração. Notáveis características contidas nesses registros indicam a nacionalidade ou a ausência de pertencimento a uma nação, descritas em cada documento, assim como os intricados processos burocráticos associados à emissão desses registros. Fotografias e descrições físicas oferecem uma representação visual e narrativa, complementada pelos carimbos que simbolizam os percursos enfrentados por pessoas que experimentaram os horrores do conflito e vislumbravam, na vinda para o Brasil, uma oportunidade de recomeço e novas trajetórias.
Referências bibliográficas
[1] DA CRUZ PAIVA, Odair. Refugiados de guerra e imigração o para o Brasil nos anos 1940 e 1950: Apontamentos. TRAVESSIA-revista do migrante, n. 37, p. 25-30, 2000.
[2] ZANOTTI, Isidoro. Organização Internacional de Refugiados (OlR). Revista do Serviço Público, v. 2, n. 3 e 4, p. 95-113, 1948.
[3] DA CRUZ PAIVA, Odair. Refugiados de guerra e imigração o para o Brasil nos anos 1940 e 1950: Apontamentos. TRAVESSIA-revista do migrante, n. 37, p. 25-30, 2000.
[4] ANDRADE, José H. O Brasil e a organização internacional para os refugiados (1946-1952). Revista Brasileira de Política Internacional, v. 48, p. 60-96, 2005.
[5] FAUSTO, Boris et al. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994.
[6] CURY, Marília Xavier. Exposição-Concepção, montagem e avaliação. Annablume, 2006.
[7] A HOSPEDARIA DE IMIGRANTES DE CAMPO LIMPO. Blog Museu da Imigração. Série Conhecendo o acervo. 2019