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Possibilidades educativas em museus de história: Parcerias e conflitos
Na tentativa de distinguir o trabalho dos educadores que atuam dentro e fora das escolas, costuma-se empregar os termos "educação formal" e "educação não formal". No entanto, existem muitas controvérsias na empregabilidade de tais expressões, o que nos faz pensar que a simples caracterização dos espaços onde ocorrem práticas educativas não garante as especificações e os desafios próprios de cada trabalho, tampouco respeita a pluralidade dos modelos pedagógicos que neles podem ser desenvolvidos.
Em texto do glossário apresentado pelo Caderno da Política Nacional de Educação Museal - PNEM[1], a pesquisadora Martha Marandino conclui que a expressão "educação não formal" é polissêmica, refletindo sobre sua multiplicidade com o auxílio de outros autores que buscam traçar concepções sobre as diferentes práticas educativas. Uma vez observada a complexidade dessa discussão, para os efeitos deste artigo, utilizaremos a expressão "educador museal" para falar dos profissionais que atuam em museus e espaços culturais e "educador das redes de ensino" em referência aos professores das escolas, tanto da rede de ensino pública quanto privada.
Como dito no início, é imprescindível respeitar a pluralidade de modelos pedagógicos que podem existir nos diferentes espaços; porém, não podemos deixar de lado reflexões sobre as especificidades de cada um. Quando olhamos para o trabalho desenvolvido por educadores museais e das redes de ensino, observamos compartilhamentos de ideias que culminam em parcerias, mas também divergências conceituais que ocasionam conflitos. Grande parte dos conflitos que percebemos são atravessados pelo fenômeno da escolarização, ou seja, possuem como motivação os fatores definidos pela escola enquanto instituição.
Para grande parte da sociedade, os museus são vistos como espaços escolarizados, embora pesquisadores[2][3] e profissionais da área discutam sobre essa característica e chamem a atenção para os problemas em torno dela. Quando escolarizado, o ambiente do museu fica à serviço das regras escolares e gera expectativas de que seja um ambiente onde a organização instaurada pela instituição escola se reproduz, ou seja, espera-se que os modelos avaliativos, as separações etárias, de tempo e de conhecimento seriado sejam seguidos[4].
Esse conflito é materializado nos museus quando as escolas buscam visitá-los enxergando-os como espaço ilustrativo do que foi aprendido em sala de aula. No caso dos museus de história, após trabalhar a disciplina em classe, o interesse dos estudantes fica comprometido, uma vez que a visita se torna parte do processo avaliativo daquele assunto. Concomitante, dessa situação também nasce o polêmico serviço de "monitoria", segundo o qual espera-se do educador museal a condução de um passeio envolto por curiosidades e sem, necessariamente, uma proposta de discussão – uma vez que o assunto já foi estudado na escola –, como se não fosse possível questionar às narrativas oficiais ou extrair reflexões novas de um assunto antes apresentado.
Já as parcerias entre esses educadores costumam se consolidar justamente quando os trabalhos pedagógicos desenvolvidos questionam os modelos tradicionais da escola, buscando expandir o conhecimento para além de seus muros. O museu deixa de ser ferramenta ilustrativa e passa a ser um espaço de discussão e aprendizado, potencializando, inclusive, um modelo de educação libertária[5]. Nesse sentido, surgem projetos extramuros, desenvolvidos em parceria entre educadores dentro e fora da sala de aula, conectando os diferentes espaços de educação e conhecimento.
Como forma de amenizar os conflitos e fortalecer as parcerias, é importante que museus e escolas revejam seu posicionamento frente às discussões contemporâneas sobre educação. O desencontro de expectativas, somado à falta conhecimento sobre os trabalhos desenvolvidos tanto por educadores de museus quanto por educadores das redes de ensino, marcam desentendimentos que prejudicam a possibilidade de se apropriar do museu como ferramenta educativa e de transformação social. Com um trabalho sério e capaz de enfrentar o sistema escolarizante, seria possível consolidar núcleos de educação parceiros, sem que, com isso, se percam a autonomia e a especificidade dessas instituições[6].
Para efeito do posicionamento dos museus, podemos "[...] considerar a crítica feita por Ana Mae Barbosa (2005) às instituições que ‘disfarçam’ o serviço educativo com outros nomes, segundo ela ‘poucas são as instituições, como museus e centros culturais, que têm a coragem de designar seus departamentos voltados para ensino, divulgação ou extensão simplesmente de Departamento, Setor ou Divisão de Educação (grifo nosso)'"[7]. Reconhecer e incentivar o fato dos museus possuírem áreas próprias de educação, constituídas por profissionais multidisciplinares e de alta capacitação, como observamos nos últimos anos, é um grande avanço para fortalecer essa demanda.
Por fim, identificar as motivações que levam os educadores museais e os educadores das redes de ensino a construírem parcerias se apresenta como importante contribuição nas discussões contemporâneas sobre educação integral[8] e se mostra como potente ferramenta na construção de saberes múltiplos que respeitam a autonomia dos sujeitos, bem como seus interesses e particularidades.
Na próxima semana, seguiremos com nossas reflexões sobre as práticas educativas em museus de história, comentando sobre as possíveis maneiras de utilizar o espaço dos museus transbordando sua temática e a mera apresentação do seu acervo.
Referências bibliográficas
[1] BRASIL. Caderno da Política Nacional de Educação Museal. Brasília, DF: IBRAM, 2018.
[2] Lopes, M. M. A favor da desescolarização dos museus. Revista Educação e Sociedade. S. Bernardo do Campo, Instituto Metodista de Ensino Superior, n. 40, 1991.
[3] BATISTA, Sueli Soares dos Santos. Museu vivo: massificação e escolarização dos museus. Revista Olhar, v. 4, p. 70-78, jul. 2003
[4] CHAGAS, Valéria Cristina dos Santos. Infância no museu: investigando a vivência das crianças em espaços expositivos. 2019. 90f. Trabalho de conclusão de curso – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2019.
[5] PAULO, Freire. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Editora
Paz e Terra. 40ª ed., 2017.
[6] CHAGAS, Valéria Cristina dos Santos. Op. cit.
[7] ALENCAR, Valéria Peixoto de. O Mediador Cultural. Considerações sobre a formação e profissionalização de educadores de museus e exposições de arte. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Artes/UNESP, São Paulo, 2008.
[8] Centro de Referências em Educação Integral. O que é Educação Integral? Disponível em: https://educacaointegral.org.br/conceito/.
Foto da chamada: formação "Possibilidades Educativas em Museus de História” em setembro de 2018 / Crédito: Juliana Barros.